Luiz Machado
[Crítica] A Mulher na Janela é deliciosamente ridículo
Stanley Kubrick uma vez falou que "gostava de adaptar livros ruins, porque rendiam filmes bons". A declaração é lida por muitos como uma afronta de Kubrick contra o repúdio de Stephen King à adaptação de O Iluminado (1980).
Baseado no péssimo livro homônimo do polêmico autor A. J. Finn (se você não ficou sabendo do exposed dele há uns anos, aqui tem um resumão), A Mulher na Janela conta a história de Ana (Amy Adams), uma mulher com agorafobia que, certo dia, vê pela janela o que parece ser um assassinato na casa ao lado. E apesar dos acenos óbvios a Hitchcock (o livro quer ser uma versão moderna de Janela Indiscreta), a adaptação em filme de A Mulher na Janela me parece muito mais um pastiche autoconsciente de sua tolice. O resultado final é uma mistura daqueles suspenses baratos dos anos 90, com algumas pegadas de giallo e apenas ecos do mestre do suspense na premissa.
É como se o diretor Joe Wright tivesse visto o livro/roteiro e dito: "nossa isso é péssimo" (porque é) e então tivesse optado por fazer o filme com todas as ladainhas formulaicas que têm pego o público há anos, mas com autoconsciência de sua premissa e existência batida - inclusive, me surpreende que, a princípio, esse projeto tenha sido feito para cinema e não diretamente para a Netflix. A coisa é que a obra nasceu obsoleta e Joe Wright parece entender isso. Os plot twists, por exemplo, que são tratados no livro como GRANDE COISA, têm seu impacto minimizado aqui. Eles não fazem sentido nenhum, mas o próprio longa não os trata como se precisassem fazer. As revelações são apenas consequências do roteiro, autoexplicativas, mas ao mesmo tempo, não são apresentadas como reviravoltas inteligentes ou realmente surpreendentes, pois apesar de toda a trama ser absurda, ela é um pouco óbvia também.
Eu realmente ainda não me decidi se achei que Amy Adams está bem ou não. Por um lado é simplesmente delicioso vê-la em algo tão cafona quanto isso aqui. Ela parece se esforçar demais para dar nuance a sua personagem, tanto é que a carga dramática torna-se palpável. Porém, ao mesmo tempo, a personagem parece existir fora do filme exatamente porque a atriz leva o papel a sério demais. Já Julianne Moore não. Toda a cena da interação entre as duas é BIZARRA. O tom é meio perdido, existe uma artificialidade na cena que serve depois como foreshadowing para uma parte do mistério, mas enquanto Adams está atuando no que ela parece achar ser um "filme de verdade", Moore parece ter entendido a piada. O mesmo não pode ser dito do resto do elenco que também se leva a sério demais. No final fica um gostinho amargo de talento desperdiçado, mas ainda assim, mesmo com o tom perdido, foi divertidíssimo testemunhar Amy Adams fazendo todo aquele terceiro ato.
No final das contas, A Mulher na Janela não é um bom filme; o roteiro tenta, mas tropeça nos mesmos problemas do livro e a trama em si não se sustenta. Entretanto, a estilização visual e escolhas conscientes de direção (eu prefiro acreditar que ele foi feito assim de propósito) fazem do produto final uma experiência extremamente caótica, boba e divertidíssima. É um suspense barato e escapista em sua mais pura forma.

A MULHER NA JANELA
EUA | 2020 | 100 minutos
Direção: Joe Wright
Roteiro: Tracy Letts
Elenco: Amy Adams, Gary Oldman, Anthony Mackie, Fred Hechinger, Wyatt Russell, Brian Tyree Henry, Jennifer Jason Leigh e Julianne Moore
