[Crítica] Lucky: terror do home invasion está bem além do home invasion

Desde que Os Estranhos (2008) inquietou audiências mundo afora e Você é o Próximo (2011) levou o molde a enésima intensidade, o terror do home invasion foi exaustivamente explorado em diversas produções, de qualidades variáveis, até finalmente descansar por um tempo. Os últimos exemplos notáveis foram O Homem nas Trevas (2016) e Hush - A Morte Ouve (2016), ambos com propostas bem criativas pra se reinventar dentro de uma fórmula já batida.
Lucky, o mais recente lançamento do streaming americano focado no horror Shudder, se junta ao subgênero de uma maneira simples mas muito interessante. O filme de Natasha Kermani usa os resquícios clássicos do home invasion para ir ainda mais além da insegurança dentro da sua própria casa e construir uma alegoria sobre as ansiedades e medos de ser uma mulher nos dias de hoje - o que imediatamente lhe garantiu referências como uma espécie de slasher feminista.
"É apenas o homem, o homem que vem todas as noites nos matar", responde o marido de May (Brea Grant), uma escritora de autoajuda, quando certa noite ela acorda e percebe uma figura em seu quintal. A neutralidade com que ele reage ao acontecimento a assusta e a confunde. Mesmo após um breve confronto - seguido pelo desaparecimento imediato do invasor - May percebe que de fato, todos os dias, ela será visitada pelo mascarado que tenta a todo custo matá-la.

Com o caminhar da trama, compreende-se que Lucky está mais próximo de um flerte surrealista do que um terror home invasion visto que o grande horror do filme não está especificamente nas cenas de embate entre May e o indivíduo, mas sim em como ele as utiliza para elaborar algo maior, que chega em seu ápice no terceiro ato, especialmente na ótima sequência em um estacionamento que mistura perfeitamente o terror do slasher com a mensagem que o filme constrói.
São nessas pequenas e por vezes nada sutis observações que o roteiro de Grant faz com que Lucky seja mais do que um simples home invasion e se trate das pequenas violências e traumas que a mulher sofre em seu dia. Ela nunca está segura, sempre tem um alvo em suas costas, é tratada com condescendência e seus esforços e conquistas são vistos como resultado de pura sorte (é daí que sai o título do filme). Em meio a isso tudo, Grant ainda consegue deixar sua marca pessoal em um comentário universal.
Nem tudo é exatamente perfeito. O roteiro tem seus momentos rígidos e alguns diálogos não funcionam tão bem em voz alta. Mas senti que esses problemas foram compensados por uma direção bastante segura e o carisma da protagonista. Existem claras limitações, afinal, é um filme independente de baixo-orçamento, mas essa parceria entre Kermani e Grant exala tanta confiança e ambição que fez com que o restante se sustentasse pra mim. E isso não é resultado de pura sorte.

LUCKY
USA | 2020 | 83 minutos
Direção: Natasha Kermani
Roteiro: Brea Grant
Elenco: Brea Grant, Hunter C. Smith, Dhruv Uday Singh

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