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Foto do escritorLuiz Machado

[Sundance] Infinity Pool e o espetáculo do ultraje

Atualizado: 25 de jan. de 2023



Acompanhe a cobertura oficial do Esqueletos no Armário no Festival de Sundance 2023.

Falando sobre suas obras e, principalmente sua obsessão com o body horror, o Cronenberg pai falava que, para ele, “o primeiro fato da existência humana é o corpo humano. Mas se abraçarmos a realidade do corpo humano, abraçamos a mortalidade, e isso é uma coisa muito difícil de fazer, porque a mente consciente de nós próprios não pode imaginar a não existência”. É interessante observar como Brandon, o Cronenberg filho, é um artista nutrido pelo pai em suas ideias, suas crises e suas inspirações.


Porém, enquanto o pai reflete sobre a mortalidade do corpo como o fim da existência, o filho parece ter um fascínio muito maior pela mente. Em seu filme antecessor, o excelente Possessor (2020), Cronenberg filho explorava a invasão corporal através do cérebro e as consequências monstruosas disso. Já em Infinity Pool ele volta ao principal tópico do pai, mas diferente da visão priori, ele realmente se pergunta: se para entender a realidade do corpo, precisamos abraçar a mortalidade, o que aconteceria se pudéssemos contemplar esse abismo… Sem sofrer consequências?



Infinity Pool começa com o que poderia ser o primeiro episódio da próxima temporada de The White Lotus - só que com uma trilha sonora muito mais opressiva. Alexander Skarsgård e Cleopatra Coleman interpretam um casal indo passar as férias em um resort de um país exótico. Ele é um escritor frustrado com bloqueio criativo procurando inspiração para sua próxima obra, ela é a esposa rica que desempenha o papel financeiro da relação.


As férias do casal começam a tomar rumos estranhos quando eles conhecem uma loira misteriosa interpretada pela neta da atriz brasileira Maria Gladys, Mia Goth, e seu marido. A partir daqui qualquer coisa que eu te contar sobre esse filme vai estragar ele para você, estão seremos vagos.


Infinity Pool é aquele tipo de obra que se beneficia por você não saber muito do que ele se trata, de ir descobrindo junto com os personagens os perigos e as perversidades desse novo universo. Cronenberg filho aqui se apropria de todas as armas do audiovisual para criar um pesadelo em forma de filme. Seu estilo de direção já está bem formado, a câmera estável passeando pelas cenas como um voyer, rodopiando pelos personagens descentralizados, pirações visuais para representar seus desejos e, principalmente, um erotismo frio e perverso. O sexo em seus filmes parece muito mais um motor de horror do que de tesão, apesar de alinhar com os desejos dissonantes de seus protagonistas. É um filme deliciosamente kinky e que se apropria de muitos elementos de roleplay para incomodar seu público.


Incomodar talvez não seja a palavra certa, mas desafiar sim. Quando você menos espera, ele faz de tudo um pouco. Em um dos melhores momentos do filme, o personagem de Alexander Skarsgard sorri para um torso perfurado repetidamente por uma faca em uma cena estranhamente sexual, gore e que arma a grande armadilha do filme: ele é um convite.


Pasolini já dizia que “escandalizar é um direito, ser escandalizado é um prazer, e aqueles que se recusam a ser escandalizados são moralistas". E é nessa lógica que o trabalho do Cronenberg filho parece se inclinar para operar. Testar os limites de seu mau gosto enquanto empurra o público para o pior do pior, transformando atrocidades em espetáculos tão bizarros, quanto convidativos. Os hedonistas deste filme estão ali não apenas para extrapolar os próprios limites, mas também os seus.


E é nessa massaroca de perversidades lascívias que Infinity Pool parece triunfar no seu melhor. Brandon parece entender o que outros diretores que tentam tanto ser malvadinhos acabam falhando. Assistir a esse filme logo depois de Babylon (2022), de Damien Chazelle, parece apenas reforçar o quanto aquele filme é vanilla comparado ao mau gosto verdadeiro. O que não está aqui apenas para ofender, já que ofender é fácil demais. Infinity Pool dá o passo além do choque e te pergunta o que você está sentindo com isso, pior que perguntar, ele exige uma resposta.



Me lembrei muito de John Waters falando que o “mal gosto é a essência do entretenimento”. De acordo com ele é muito fácil enojar alguém. Mas fazer a pessoa se perguntar o que ela está sentindo ao assistir aquilo, é elegante. Esse é o bom mau gosto verdadeiro. E é nisso que Infinity Pool triunfa... Nisso e na performance completamente histérica e hipnotizante de Mia Goth - que nunca esteve tão gostosa em um papel. Sua personagem vai alimentar o Twitter com fancams por meses e será a personalidade de todos os gays cinéfilos assim que o filme estrear oficialmente. Aguardem.


Alexander Skarsgård usando uma coleira e sendo chamado de "cachorro" está [trecho censurado].


Porém o filme acaba apresentando algumas inconsistências quando, muito além de estética e cinematografia, você para para tentar pensar no que ele quer dizer. A bem da verdade é que ele atira para todos os lados. O que começa como uma reflexão muito interessante sobre colonialismo e como a burguesia sempre se volta à selvageria quando não existem consequência para seus atos, a mortalidade humana para combustão da vontade de viver, o sexo como um prazer ultrapassado (mas essencial), vira uma busca de autodescoberta pessoal e artística. No fim das contas, não dá para saber bem qual o ponto depois de tantos tópicos apresentados e então abandonados.


Brandon Cronenberg tem tanta vontade de fazer Cinema (com C maiúsculo) que por vezes acaba se perdendo dentro de suas próprias ambições. Mas é um filme tão único, tão perverso e tão estranho, que é impossível não ficar vidrado em cada segundo de sua duração. Ainda que inconsistente, é uma experiência divertidíssima para os que tiverem vontade de serem ultrajados e provocados de forma inspirada. No fim das contas, é apenas um espetáculo de fluídos corporais e sangue. Se o roteiro um tanto quanto oco faz esse espetáculo valer a pena, a decisão acaba ficando com você. Eu vivi cada segundo.


 

INFINITY POOL

2023 | EUA | 112 min

Direção: Brandon Cronenberg

Roteiro: Brandon Cronenberg

Elenco: Alexander Skarsgård, Mia Goth, Cleopatra Coleman, Jalil Lespert


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