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Foto do escritorAndrei R.

[Rebobinando] Butcher, Baker, Nightmare Maker: quando gays são mais perigosos que tias homicidas



Imagina chegar em casa, ver sua tia cometendo um assassinato e, quando você corre para tirar a faca da mão dela, outras pessoas chegam e testemunham uma série de evidências que apontam você como o assassino. É isso que Billy Lynch (Jimmy McNichol) vivencia em Butcher, Baker, Nightmare Maker, filme lançado pela primeira vez em 1981 nos Estados Unidos e relançado em 1983 com o nome Night Warning.


Esta foi a primeira e última obra de terror dirigida por William Asher, mais conhecido por ter dado início ao subgênero de filmes de festa na praia com o seu Beach Party, de 1963. E por que um filme dirigido por um nome desconhecido no mundo do terror e lançado em um ano cheio de outros títulos bem mais relevantes no gênero merece espaço aqui no Rebobinando? Explico: Butcher, Baker, Nightmare Maker foi lançado justamente no “ano do slasher”, 1981, quando houve um verdadeiro boom de filmes abordando um assassino que faz diversas vítimas antes de ser descoberto — ano que também viu nascer grandes clássicos como Evil Dead e Um Lobisomem Americano em Londres. E apesar de seu lançamento ter atraído certa atenção, tendo sido até nomeado ao Saturn Awards em 1982, Butcher, Baker, Nightmare Maker (o nome original é bem mais legal) não se fixou muito entre os grandes filmes de terror dos anos 1980, raramente sendo citado. Por que será? Acontece que essa obra trabalha com um assunto um tanto quanto inusitado para o cinema de terror da época, e é ele que nos motiva hoje a revisitar e reapresentar essa pérola esquecida do horror.



Antes de tudo, porém, é fácil entender porque o filme não recebeu tanta atenção assim em meio a tanto sangue, gritos e assassinos mascarados — lembrando que 1981 nos trouxe uma das melhores continuações já feitas: Halloween 2. Já Butcher, Baker, Nightmare Maker mantém uma atmosfera mais sóbria por boa parte de sua duração. Aliás, a própria sinopse antecipa isto: Billy Lynch é um adolescente que, após a morte suspeita de seus pais em uma viagem de carro, foi morar com sua tia neurótica e super protetora, Cheryl Roberts (em uma performance incrível de Susan Tyrrell). O sentimento que Cheryl nutre pelo sobrinho se encontra muitas vezes na limiar da paixão obsessiva, ao ponto dela enlouquecer com a ideia de Billy sair de casa para a ir frequentar a universidade. Essa obsessão se torna mais estranha por causa da atmosfera misteriosa que ronda o ambiente familiar dos dois, algo parece errado desde o início nessa relação. Desconsolada e com medo de ficar sozinha, Cheryl dá em cima de Phil Brody, o técnico de televisão, mas quando este recusa os avanços da dona de casa, ela tem um acesso de raiva e o mata. Momento que é, por fim, aquele narrado no início desse texto.


Lendo até aqui, pode parecer que estou entregando as principais informações do filme, estragando toda a graça de assistir. Mas é aí que reside o ponto mais interessante do trabalho do diretor William Asher: isso tudo acontece nos primeiros 20 minutos. E aí, um roteiro que poderia muito bem deslanchar para um típico slasher, no qual veríamos Cheryl eliminar uma por uma as possíveis ameaças ao seu desejo de manter Billy junto consigo para sempre, acaba na verdade nos levado a uma viagem pelo absurdismo do preconceito — mais especificamente, da homofobia, que se dá numa sociedade enviesada e na qual prevalece a injustiça.



Afinal, é o detetive Joe Carlson quem fica designado para cuidar da investigação do assassinato de Phil Brody. Logo no início, Cheryl já confessa sua culpa, alegando que matou em legítima defesa, uma vez que Phil supostamente teria tentado estuprá-la. Porém, Joe rapidamente cisma com Billy, tentando a todo custo fazê-lo confessar que na verdade o culpado é ele. E a insistência de Joe só aumenta ao descobrir que Phil, a vítima de Cheryl, na verdade era um homem gay. E não apenas isso, ele também descobre que Phil se relacionava com outra pessoa do círculo social de Billy (vamos manter as surpresas), fazendo com que Joe monte na sua cabeça uma narrativa em que o adolescente e Phil eram amantes. Para o detetive Carlson, Billy teria matado o homem após uma discussão motivada por ciúmes. Nesse momento, nada faz com que Joe mude de ideia, nem as repetidas confissões de Cheryl, nem as negações de Billy, e muito menos todas as outras provas que apontam acontecimentos estranhos no passado da tia do garoto e sua culpa no assassinato. O detetive escolhe conscientemente ignorar tudo isso, tentando encontrar qualquer pequeno deslize nas falas dos envolvidos para provar sua teoria de que Billy é gay e assassino — mas primeiramente gay.


A forma como o filme carrega essa história é muito interessante: enquanto Billy tem que enfrentar um policial homofóbico que chega ao ponto de bisbilhotar sua vida sexual e que está sedento para colocá-lo atrás das grades, Cheryl não deixa de ser uma ameaça, já que está disposta a tudo para impedi-lo de ir à universidade. Butcher, Baker, Nightmare Maker constrói assim toda a narrativa como uma mistura entre a batida história do assassino com um motivo, e aquela estrutura de investigação policial, revisando e “deturpando” (no sentido positivo) essas categorias e a forma como nos relacionamos com elas. Digo isso pois, nesse caso, nós não torcemos de forma alguma para que o policial conclua suas hipóteses e confirme suas suspeitas, como geralmente acontece nesse tipo de filme, assim como também já sabemos desde o início quem é a culpada.



Cada vez mais se afirma que o fenômeno do Terror com críticas sociais é recente, produto da última década de militância. Entretanto, vemos aqui um filme de 1981 tratar de temas como homofobia, violência e abuso policial de forma consciente e, para a época, num estilo bem original. Não podemos esquecer que Butcher, Baker, Nightmare Maker foi lançado bem no início da epidemia de HIV/AIDS, fortemente associada com a população LGBTQ. Então, o simples fato de tratar a homossexualidade de forma positiva já mostra o grau de consciência que a obra possui. Joe Carlson não é visto como um herói, suas ações não são de forma alguma justificadas, ele também é um vilão tanto quanto Cheryl. Ele representa essa face conservadora da sociedade estadunidense, andando de um lado para o outro com um broche da bandeira dos Estados Unidos. Em determinada cena ele até aparece torturando um personagem latino na delegacia, tratando-o como um imigrante ilegal, apesar dele afirmar que morava naquela cidade. Seu comprometimento com a sociedade, na visão distorcida dele, na qual se enxerga como um paladino dos bons costumes, nos faz temer suas ações muito mais do que as de Cheryl, inclusive, apesar da mulher se mostrar tão letal.


Esse temor, essa agonia, permeia o filme inteiro. Nós sabemos de cara o que aconteceu e toda a “verdade” (ou quase toda), e assistimos praticamente a todos os personagens passarem bem longe dela. E é exatamente nesse ponto que reside o grande atrativo dessa obra, e não, não é o mistério de quem é o culpado, isso não existe no roteiro, já sabemos. O que nos mantém presos e aflitos é como os personagens vão chegar a essa conclusão, se é que vão. Isso não significa que o filme não vai te trazer nenhuma surpresa, porque há sim uma revelação interessante no final. Porém, para o público LGBTQ, talvez o maior foco de atenção e tensão está em como Joe Carlson vai concluir sua investigação. Assim, Butcher, Baker, Nightmare Maker é uma ótima mistura de gêneros salpicados com um retrato da homofobia em uma sociedade tradicional. Além da representação positiva de personagens gays em uma época não tão convidativa para essa abordagem, vemos aqui mais uma prova de que o Terror é um gênero que há muito tempo nos apresenta ferramentas de análise da sociedade.


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