Luiz Machado
Scream: revisitando a primeira temporada da caótica adaptação televisiva de Pânico
Existem certos filmes que crescem tanto dentro da cultura pop que acabam tornando-se algo muito maior do que sua própria existência. Quantas pessoas podem dizer que já assistiram a todos os filmes da franquia Pânico? Mesmo os filmes fazendo jus à seu legado, muitos podem não ter sentado para assistir qualquer um dos quatro filmes (lançados até o momento desse texto), mas com certeza conhecem a máscara icônica do Ghostface. Muito mais do que um filme absurdamente bom, Pânico é o tipo de obra que vive e vai viver muito além de sua duração. O legado não está apenas no original, mas em todas as suas reminiscências sendo nas próprias influências que ele exerce sobre o gênero, na sua lembrada paródia (Todo Mundo em Pânico) e até em lojas toscas de fantasias que vem a máscara de seu assassino por 10 reais dizendo se tratar da "Morte" - a entidade sabe, com a foice, você sabe!
O que torna Pânico algo tão único e especial é que na época que ele veio, quando o gênero slasher já estava completamente desgastado, ele trouxe algo novo e deliciosamente cínico às telonas. O que Wes Craven fez, foi um dos maiores exercícios de metalinguagem da história do cinema, ainda adicionando novas camadas de subversão além da sátira e guardando seu legado. Não é atoa sua referência até hoje, 24 anos depois. Porém os tempos mudaram e a franquia - em seu maior momento desde o original - havia sido encerrada em 2011. Mesmo com muitos boatos e teorias rondando o que viria a seguir, o futuro de Scream nos cinemas era incerto e foi nessa que em 2015, a MTV deu mais um grito, dessa vez em formato de série.
A ideia por si só já parecia absurda, mas estranhamente atraente. Infelizmente com Pânico sou daqueles fãs possessivos e preciosistas, mas a ideia de algo que mexeu com o cinema sendo transposto para a televisão e possivelmente conversar com uma nova geração era boa. Então, não foi o que rolou. Em seu pouco tempo de vida, Scream: The TV Series, foi um caos completo. Com uma primeira temporada boa/ok e uma segunda podre, a série atingiu o fundo do poço fazendo algo que - pra mim - era inédito: um reboot na terceira temporada... E ainda assim fracassando amargamente. Porém, com o legado na TV manchado e prestes a se reerguer no cinema, hoje, voltando para 2015, como aquela primeira temporada (e apenas ela) de Scream se sustenta? A resposta é: mais ou menos.

Não é nenhuma obra-prima ou uma grande reinvenção do gênero na televisão (como deveria), mas são 10 episódios seguros o suficiente para pelo menos gerar uma boa diversão. Aqui o que mais incomoda é a falta de inspiração por parte dos roteiristas. De Pânico em si a série não tem quase nada além do título e uma sofrível tentativa de pegar o espírito de debate dos filmes. Mas se antes tínhamos personagens fazendo referências e o roteiro usando da metalinguagem para subverter as expectativas do próprio público com o gênero, aqui isso amarga em uma versão nem um pouco sutil e boba em que os personagens ficam soltando o nome de filmes e séries como se isso bastasse para ser chamada de META por alguém esforçado e disposto a relevar a papagaiada. O que mais me frustrou nessa revisitada foi perceber exatamente como a série não entendeu Pânico e o que fazia a franquia tão especial. A grande graça não era os personagens serem cinéfilos fãs de terror, mas como o roteiro usava isso a seu favor. Era quase como se o filme estivesse constantemente piscando para seu expectador, enquanto Scream: The TV Series até tenta piscar mas a referência é tão perdida que fica a sensação de: ??????
Todas, eu repito: TODAS as cenas envolvendo os alunos debatendo o gênero na sala de aula com o professor predador sexual são bizarramente constrangedoras e não estão falando nada com nada. A estrutura era sempre a mesma: o professor soltava uma referência, alguém falava o nome de um diretor, de repente uma série de mais nomes aleatórios eram soltos, "o burro" falava alguma bobagem para então terminar com o personagem do Noah fazendo algum monólogo, ao som de sua trilha sonora característica para monólogos, pra exemplificar onde a trama iria chegar. É tão preguiçoso e pobre que em diversos momentos me peguei fazendo caretas para a televisão.
O mais deprimente aqui é como essa tentativa desesperada de metalinguagem é o máximo que a série chega perto de ser Scream. A analisando como um produto solto sem relação com nada ela até funciona, mas todas as tentativas de a relacionar com sua franquia-mãe a deixava ainda mais deprimente de assistir. Interessante talvez seria fazer uma série auto-consciente de seu universo, algo que High School Musical: The Musical: The Series iria fazer anos depois. Imagine assim: uma série de Pânico em que os personagens sabem que existe Pânico e fazem referências à franquia original? Seria interessantíssimo e aí justificaria o uso do nome já que NEM A MÁSCARA original eles tinham os direitos pra usar. É tudo tão perdido e tão... sem propósito? Nem sei como isso foi parar na MTV...

Tentando mais uma vez me desapegar de um conceito original e focando na série como um produto próprio, entra outro grande erro da produção: isso é um slasher televisivo, portanto os personagens deveriam ser muito bons para sustentar a narrativa estendida além da necessidade (eles falam isso dentro da série, slashers queimam muito rápido e é difícil manter o subgênero interessante na TV), mas escolheram provavelmente o pior elenco jovens já reunido na história. Acho que forçando um pouco, além dos ótimos nerdzinhos da trama - Audrey e Noah - que salvam a série muito por conta das performances carismáticas de Bex Taylor-Klaus e John Karna, posso dizer que a Willa Fitzgerald que está muito esforçada no papel de Emma, apesar da personagem ser chata. Ela até TENTA dar um certo carisma pro texto sem alma, mas não tem muito o que fazer. Tirando esses três potenciais bons atores, o resto parece ter caído de uma lata de lixo qualquer de Los Angeles. Tem muita gente ruim aqui pra jogar hate, mas alguns são tão inoperantes que não chega a ofender por não terem espaço para isso. Porém quero focar meu desagrado maior com duas figuras do elenco: Tom Maden fazendo "o burro" e Carlson Young como um protótipo da Regina George.
Jake e Brooke são de longe os PIORES elos da série e os atores são tão apáticos que não ajudam em nada. Lembram que eu comentei lá em cima que as constrangedoras cenas da escola precisavam de algum burro pra ser o foco da explicação da trama? Jake quase sempre servia única e exclusivamente para isso. O roteiro até tenta dar um motivo para ele estar na história e o romance com a Brooke prova, mas até nessas eles erram quando o relacionamento estranhamente tóxico começa a virar foco de um olhar romantizado da narrativa (?). O personagem é o clássico bully com um arco de redenção, mas ele é tão desagradável que não dá para comprar de forma alguma. Eu particularmente - por ser gay - não consigo ver um personagem sendo gratuitamente agressivo, misógino e homofóbico com qualquer coisa que se mova na série, para depois comprar sua pose de bonzinho no final. Fica ainda pior pra série quando a personagem com potencial carisma é essa barbie mean girl sem personalidade nenhuma. Diga-se de passagem que na primeira temporada a Brooke não é nem uma personagem direito, ela parece quase uma paródia perdida no meio da narrativa. O que poderia ser interessante se a série não os coloca-se como peças centrais da narrativa. Esses dois personagens deveriam ser os primeiros a morrer, eles são o clássico tipo de personagens introduzidos na história apenas para contagem de corpos e ambos terminarem a temporada vivos poderia até ser interessante para a ideia de desconstrução, mas não servem nem para isso. Só exemplificam como Scream era um slasher sem entendimento do próprio gênero: um slasher com medo de matar seus personagens.
Outro grande problema é a má vontade do roteiro ao desenrolar da história. É uma série de televisão e - PIOR - é um slasher na televisão. Como falei anteriormente, slashers são feitos para durar pouco, eles necessitam da sensação de urgência da história e essa esticada em 10 horas acaba sendo um fardo. Porém muitas saídas poderiam ser adotadas por Scream para justificar a trama continuar andando. Enquanto no filme, assim que o assassino em série se torna conhecimento público, a escola para as aulas e toda a segunda metade do filme acontece em cima disso, aqui temos uma estranha continuidade da vida "normal"... Mesmo com 500 pessoas mortas. Em seu momento mais ??? das ideias a série opta por mostrar Emma voltando para a escola no dia seguinte da morte de seu namorado... Morte que ela presenciou... Ele foi SERRADO NO MEIO...

Que vida normal, minha filha???? A série até tenta justificar o comportamento, mas essas tentativas não se sustentam a partir do ponto que o problema não é só o estresse pós-traumático de Emma, como também o fato dessa cidade inteira continuar fazendo as coisas normais do dia-a-dia enquanto tem adolescente morrendo. Fora que os pais dessa série ou são burros ou inexistentes, tem um maluco por aí matando todo mundo e eles deixam os jovenzinhos sozinhos em casa, andando por aí, indo pra escola, fazendo festa e mais um monte de coisa que os exponha à um risco desnecessário. Tudo bem que é bobagem minha esperar veracidade de uma série de horror, mas ao mesmo tempo é muito estranho eles fazerem um baile do Halloween depois de metade da turma ter sido brutalmente assassinada, estripada e terem seus cadáveres expostos na internet, sabe?
Falando em morte, as dessa série são bem pouco inspiradas. Temos um ou outro momento aqui e ali que podem ser traduzidos com a inventividade que um slasher precisa (a cena do freezer no último episódio é EXCELENTE, uma pena não terem matado a Brooke ali, teria sido digno), mas num geral elas são bem ablublé qualquer coisa. Senti um pouco de falta das icônicas chase scenes da franquia original, falta uma tensão aqui.
E a última reclamação - mas não menos importante - é: o que rolou para abandonarem o melhor plot twist dessa temporada? No último episódio nos é revelado que a Audrey era a segunda assassina que estava ajudando a Piper. Toda a revelação de quem matou é boa e casa muito bem com o clima final da temporada. Aquela última cena com a narração do Noah enquanto vemos Audrey destruindo as provas ao som de Quiet Day do Fort Lean, é perfeita e carregada de shock value. Por mais aleatória que ela pareça, a própria série construiu a trama para levar à isso, inclusive cantando a bola no episódio 6 para a trama fazer sentido no final. Audrey é a narrativa perfeita da segunda assassina, se você notar ao longo da temporada só vão morrendo pessoas que fizeram mal para ela e Rachel - a namorada - era a morte perfeita para selar o álibi dela e gerar compadecimento e ela passa TODOS os episódios fazendo gaslighting com os amigos. É a trama mais bem construída e o roteiro acerta em te desviar os olhos dela para gerar esse choque final mesmo ele estando na sua cara. O negócio é: o que rolou?
Eu não sei se você se lembra, mas na segunda temporada da série eles abandonam completamente esse twist, inventando uma desculpinha para não ter sido a Audrey e introduzindo uma penca de personagens novos para iniciar a nova narrativa de que o Kieran fez tudo. O problema é que não faz sentido e trai o próprio roteiro estabelecido antes. Em uma rápida pesquisada do Sr. Google, descobri que a série mudou de showrunner da primeira pra segunda temporada, então imagino que a MTV deva ter dado pra trás ao perceber o potencial de fan favorite da personagem. Mesmo assim não consigo deixar de me sentir lesado com essa decisão horrorosa de voltar atrás com um bendito plot twist, mas tudo bem, não pretendo ver a segunda temporada de novo mesmo...

No final das contas o que me resta de Scream é apenas frustração e o gostinho amargo de potencial desperdiçado. Vou ser bem sincero, ela estava melhor na minha cabeça e ter sentado pra revisitar foi o maior erro do meu ano até agora. Então se esse texto não tiver te desencorajado, eu digo: não vale a pena. Se você gostava dessa baguncinha em 2015 eu recomendo manter ela assim, não reveja não, amadurecimento às vezes é uma maldição. Tudo o que me resta agora é amaldiçoar até a quinta geração de quem fez isso aqui e me ajoelhar para rezar pelo sucesso do reboot de Pânico nos cinemas... Papai do Céu, escute minhas preces, por favor, eu já sofri demais...