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Foto do escritorPietra Vaz

[As Exploradoras] Roberta Findlay: a pioneira desencanada



Considerado um cinema de baixo orçamento que busca atrair publico através de imitações baratas de temas do momento, sexo e violência, o exploitation é um dos subgêneros mais prolíficos do cinema, influenciando artistas como Quentin Tarantino, Eli Roth, Gaspar Noé, irmãs Soska, Robert Rodriguez e John Waters. Em meio a sua vastidão, o exploitation quase sempre foi visto como um tipo de cinema feito por homens e para homens. Porém, é notável que algumas mulheres conseguiram adentrar esse campo e criar carreiras nele, colocando suas sensibilidades sobre o momento e alguns casos subvertendo o que se espera desses filmes. As Exploradoras é uma série de textos mensais do Esqueletos no Armário que pretende comentar sobre a vida e a obra de diretoras que trabalharam com o exploitation. Esperamos fazer jus à filmografia dessas artistas tão especiais.

 

Por que você faz o que faz? Roberta Findlay é uma dessas pessoas sortudas que podem afirmar que trabalharam tanto por dinheiro quanto por amor, em uma combinação revolucionária. Uma de suas citações mais célebres é justamente sobre isso: “Fiz esses filmes por dois motivos: primeiro, para ganhar dinheiro, o que aconteceu. E eu gostava de fotografar como cinegrafista. Isso é o que eu mais gostava, estar atrás das câmeras.”


Seu lugar atrás das câmeras, contudo, foi descoberto quase que por acaso. Roberta Hershkowitz, que viria a ser Roberta Findlay após seu casamento, nasceu em 1948 em Nova York. Criada no Bronx, a caçula de três filhos de imigrantes húngaros cresceu não muito longe do prédio decrépito que abriga os infelizes moradores de seu filme Tenement (1985). Pianista talentosa desde os quatro anos de idade, ela começou a frequentar o City College ainda adolescente, depois de terminar o ensino médio. Seus pais tinham altas expectativas para ela na música clássica, mas ela decidiu trilhar outro caminho - com brilhantismo, vale dizer.



She’s no angel: o início lascivo da carreira de Findlay


O exploitation e o cinema adulto não são conhecidos exatamente por serem espaços ocupados por mulheres, mas Roberta é uma das cineastas mais prolíficas da era de ouro do cinema pornô. Tudo começou quando ela conheceu o futuro marido, Michael Findlay, cinéfilo ávido que a convidou para ser pianista em um festival de cinema mudo que ele dirigia. A primeira tarefa da esposa foi acompanhar o épico Intolerância (1916), de D.W. Griffith. Depois disso, juntamente com Michael, ela começou sua carreira fotografando, codirigindo e até mesmo atuando em alguns filmes.


Um exemplo paradigmático foi Satan’s Bed (1965), que conta com a atuação de uma jovem Yoko Ono e tem Roberta Findlay no elenco, creditada como Anna Riva. O filme é, na verdade, um caleidoscópio de violência e depravação em um ambiente urbano sórdido e turvo. Os grandes temas de autoria de Roberta já iam sendo definidos e refinados conforme ela produzia novos filmes com o marido. No ano seguinte, por exemplo, foi produzido o notório Take Me Naked (1966), onde a ligação entre o desespero social e econômico e a depravação sexual é ainda mais explícita, como ilustrado pelo vagabundo ébrio que espiona o seu vizinho atraente. Subvertendo a estética exagerada do filme erótico da época, os Findlays sempre retratavam atmosferas obscuras e doentias, onde a sexualidade nunca é vivenciada como algo agradável ou atraente.


Em seu filme subsequente, esse conjunto de questões aparece ainda mais. Trata-se de A Thousand Pleasures (1968), onde o realismo e o grotesco se fundem numa exibição desesperada de misoginia e agressão contra os sujeitos femininos. Contudo, enquanto Michael Findlay e Roberta ainda exploravam as possibilidades oferecidas pela natureza estereotipada dos roughies — um subgênero mais agressivo, com violência e sadismo na mistura softcore padrão —, a era de ouro do sexploitation no cinema se encaminhava para o fim. Mnasidika (1969), dirigido pelo casal, testemunha a busca por novos rumos; as figuras desprezíveis dos maníacos de Findlay são substituídas por uma apologia ao papel das mulheres na história e na sociedade. Com esse filme, o casal aproxima-se de uma ideia mais convencional de cinema. Foi justamente nesse momento, porém, que decidiram viajar para filmar em outros ares.



Snuff: Os Findlay descem à América Latina


Já na Argentina, com ajuda de amigos e dispondo de um orçamento ridiculamente baixo, filmaram aquela que viria a se tornar uma de suas obras mais conhecidas: Slaughter. Na verdade, o filme nunca foi realmente lançado em sua forma original. Apenas alguns anos depois o produtor Allan Shackleton, especializado em filmes de exploração sexual, comprou os direitos de distribuição mundial do filme, mas ainda assim deixou-o na gaveta por não ver potencial na obra. Em 1975, buscando recuperar seu investimento, Shackleton se inspirou a lançá-lo com um novo final depois de ler um artigo de jornal sobre filmes snuff (ou seja, filmes que apresentam homicídios reais) produzidos na América do Sul, e decidir lucrar com essa lenda urbana. Eis a explicação para a troca do título do filme, que viria a se chamar simplesmente Snuff (1976), bem como para as suas cenas finais, produzidas por Simon Nuchtern a pedido de Shackleton. Tudo acaba com cenas estilo vérité, retratando uma mulher sendo brutalmente assassinada e desmembrada. Acima de tudo, Snuff é um filme horrível.


Na época do lançamento de Snuff, Roberta já havia se separado de Michael e vivia uma nova fase pessoal e profissional. Angel on Fire (1974) foi uma produção inteiramente dela, anunciada como primeiro filme erótico explícito já feito por uma mulher — o que não era verdade, já que Findlay dirigia filmes adultos há anos, ainda que acompanhada. É uma história simples sobre um homem desagradável que engravida sua namorada e, pouco depois, é morto em um acidente, apenas para posteriormente reencarnar como uma linda mulher loira que deve navegar por uma nova vida e experiências sexuais. Se a tal pornografia feminista pode existir com representações do corpo feminino, e visto através do olhar de Findlay, em oposição aos pontos de vista dos diretores homens, então esta narrativa de mudança de identidades é um excelente exemplo.


Apesar de ter iniciado sua carreira com uma sólida dose de exploitation e pornografia, Findlay afirma que não gostava de filmar cenas de sexo. Em entrevista para o Komplex, ela explica que estava sempre mais interessada nas filmagens que antecediam as cenas explícitas, como as tomadas externas e as cenas de diálogo. “Quando se tratava de cenas de sexo, eu apenas dizia: ok, e agora todo mundo trepa. Então eu andava ao redor deles com uma câmera portátil, filmando à vontade. Eu não dizia aos atores o que fazer, não os dirigia. Apenas capturava o que eles estavam fazendo.” A cineasta, que usava e abusava do zoom nesses momentos, conta que os close-ups formavam imagens até abstratas, e chegava a esquecer que estava filmando corpos humanos.



Mulheres assombradas: Findlay adentra o horror


Passando para uma fase posterior de sua carreira, chega outro marco da obra de Roberta; The Oracle (1985) é o primeiro dos cinco que ela fez com seu parceiro de produção Walter E. Sear sob a bandeira da Reeltime Distributing Corporation. Como Findlay explica no comentário de áudio incluído na edição Vinegar Syndrome de Prime Evil (1988), depois de uma série bem-sucedida de longas-metragens pornográficos durante o apogeu da pornografia nos anos 80, o terror parecia como um próximo passo lógico, embora ela não se sentisse particularmente atraída pelo gênero. The Oracle parece ser uma confirmação disso, pois seu enredo é uma mistura de clichês de terror com uma atividade poltergeist incessante que não parecem ter coesão alguma (inclusive com relação ao título do filme), além de ter efeitos especiais aleatórios que não são inadequados o suficiente para serem divertidos.


The Oracle tem como protagonista Caroline Capers Powers no papel de Jennifer, uma jovem que recentemente se mudou para um apartamento em Nova York com seu marido, executivo de TV. Qualquer semelhança com O Bebê de Rosemary (1968) talvez não seja coincidência, pois Findlay já afirmou gostar do filme, apesar do gênero. Um objeto que supostamente funciona como oráculo colabora para os negócios do marido de Jennifer, mas a leva ao colapso mental como consequência. Verdade seja dita, a maneira desinteressante como a deterioração da mente e do corpo da personagem é apresentada é mais culpa do roteiro de R. Allen Leider do que da direção de Findlay, que é sempre carregada de personalidade apesar da falta de originalidade dos elementos sob sua rédea. O filme de fato parece buscar ser genérico, talvez para se encaixar ao zeitgeist do terror oitentista, mas há uma distinção no interesse que existe no ponto de vista de uma mulher mentalmente instável, mesclando essa ideia com uma conspiração sinistra e com toques sobrenaturais.



Melhor do que uma mulher instável, só várias mulheres instáveis. Findlay sabia disso e, lapidando sua cinematografia, lança Blood Sisters (1987). É um thriller sangrento e exagerado sobre jovens mulheres que têm que passar a noite em uma casa mal-assombrada (um antigo bordel) para poder entrar em uma irmandade universitária. No melhor estilo Hell Night (1981), a casa foi convenientemente equipada com pegadinhas que logo se misturam a ameaças reais.


Em seguida, é lançado Lurkers (1988), que se assemelha muito com A Hora do Pesadelo (1984) em sua premissa. Basicamente, a história mostra uma mulher atormentada por figuras demoníacas que, apesar de aparecerem em sonhos, reverberam na realidade. Aspectos significativos da iconografia dos filmes de Freddy Krueger são reproduzidos, como sequências com meninas brincando de pular corda e cantando rimas sinistras, e uma cena em que a protagonista Cathy, interpretada por Christine Moore, tem um pesadelo sobre ser assassinada enquanto dormia na banheira “Meu Deus, foi tão real!”, ela exclama.



Essas semelhanças não são um ponto negativo. O filme torna-se mais familiar, e essa foi justamente a estratégia adotada por Findlay na época da produção; fazer referências abertas aos filmes de terror da época, ou aos clássicos do gênero que continuavam a ressoar no público, partia do pressuposto de que um público pré-estabelecido seria atraído por eles. Além disso, era esperado que as alusões fossem captadas pelos distribuidores de cinema e vídeo que ela tentava cortejar, e que seriam capazes de antecipar seu desempenho comercial com base em suas semelhanças com outros filmes, caso eles adquirissem seus direitos. Mais que cinegrafista, Roberta tinha uma visão empreendedora.


Ainda assim, na época em que produzia filmes, ela não se considerava uma feminista, alegando: “Não me sinto responsável por nenhuma outra mulher no mundo. Cheguei onde estou sozinha e se alguém me ajudou foi meu marido e ele não é mulher alguma”. A verdade é que Findlay, independentemente do que pensa, foi uma pioneira não apenas no cinema de nicho, mas na indústria cinematográfica em geral, e é considerada um ícone feminista simplesmente por isso.


Hoje, aos 75 anos, Roberta gosta de viver quietinha e valoriza sua privacidade. Vive no ápice de como viveu em toda sua vida: sem ligar para a fama, despreocupada com formas e etiquetas, pensando apenas em arte. Não produz mais filmes e lista, entre seus favoritos, Sunset Boulevard (1950) e Sabrina (1954). Talvez não seja o que se espera da estrela do exploitation e do horror, mas é uma forma de visualizar uma faceta diferente dessa cineasta, mostrando sua versatilidade enquanto mulher.


 
REFERÊNCIAS

ALILUNAS, Peter; STRUB, Whitney (Ed.). ReFocus: The films of Roberta Findlay. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2023.


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