[Crítica] Se juntas já causam, imagina 'Juntos': um abraço apertado, mas sem intimidade
- Pietra Vaz
- há 5 horas
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Não é em vão que, nessa altura do calendário gregoriano, as pessoas ainda chamem seus amores de platônicos. Em diversas ocasiões, Platão filosofou sobre a divindade de Eros e as qualidades do amor. Ele fazia isso acompanhado, e um de seus colaboradores mais célebres foi o dramaturgo Aristófanes. Seu discurso em O Banquete de Platão explica como a origem dos seres humanos como conhecemos está diretamente conectada à origem do amor: de acordo com ele, originalmente tínhamos torsos esféricos, quatro mãos, quatro pés e duas faces.
Esses pequenos monstrinhos eram humanos em completude. Alguns eram masculinos, vindos do Sol; outros femininos, vindos da Lua; e outros, chamados de andróginos, eram masculinos e femininos, vindos da Terra. Com sua anatomia única, eram poderosos e atrevidos. Para acabar com qualquer pretensão daquelas criaturas de conquistar os céus, Zeus dividiu cada uma delas ao meio, e assim surgiram as pessoas como somos hoje.
Pequenas, incompletas e condenadas, vivemos procurando no amor as metades que nos fazem inteiros. É um mito muito bonito e que, embora não tenha antevisto a não monogamia e a pós-modernidade, explica o buraco que machuca até o mais feliz dos corações humanos de vez em quando.

Juntos (Together, 2025) é o primeiro longa dirigido pelo australiano Michael Shanks, e sua premissa é explicitamente inspirada pela criação humana conforme a filosofia platônica. O filme fala sobre a busca avassaladora pela unidade e tem sido divulgado como o body horror do ano, após uma ótima recepção no festival de Sundance. Talvez o público estivesse um pouco emocionado demais, que nem a internet quando a Jout Jout leu o livro “A Parte que falta”.
Na obra, Dave Franco e Alison Brie interpretam Millie, professora infantil pragmática, e Tim, músico frustrado. O casal tem uma falta de química que impressiona, ainda mais sabendo que eles são casados na vida real. Mas isso tem sua razão de ser: logo no início, vemos que seu relacionamento de longa data é marcado por um distanciamento emocional e físico, com toques escassos e conversas esquisitas. Os dois atuam como estranhos familiares, não uma dupla apaixonada, e parecem estar cientes de que terminar seria a melhor opção. Contudo, seguindo a tendência dos casais acomodados, eles decidem dobrar a aposta e se mudam para o interior, em uma casa isolada envolvida pela natureza.
Tendo apenas um ao outro, a história de amor se torna uma narrativa ainda mais frágil, deixando evidente que aquela é uma relação protocolar baseada não em cumplicidade, mas em codependência. Mas dependência para quê? Não dá para saber, é apenas aquela insistência sem motivo de quando a situação do namoro-não-noivado-porém-morando-juntos já foi longe demais e eles não sabem como sair daquilo. Como dizia Tia Ida, interpretada por Edith Massey em Problemas Femininos (1974, John Waters), "the world of heterosexual is a sick and boring life".

A virada de chave dessa dinâmica ocorre quando, por razões misteriosas, Tim e Millie começam a grudar um no outro. Esse é o grande mote de sua divulgação e o que o torna tão interessante: como assim eles se grudam? Mais do que isso, eles se puxam, se fundem, se conectam, como se suas células não suportassem a menor distância entre seus corpos. O horror corporal é explorado de forma um pouco contida, mas linda de se ver. Como é bom ver essa deformação grotesca dos corpos presente em mais um filme de ampla distribuição, logo após o sucesso de A Substância (2024, Coralie Fargeat). A maquiagem e os efeitos especiais são incríveis, gerando um desconforto físico repulsivamente gostoso, como cócegas na barriga.
Seria incrível acompanhar o desenvolvimento dessa premissa em personagens que fossem realmente interessantes, tanto individualmente quanto como casal. Tim e Millie são intoleráveis. A crise atravessada por cada um deles, bem como a tensão no relacionamento, é enfadonha e superficial. Nem dá vontade de ver eles se resolvendo, só de ver cada um indo seguir sua vida. Claro, isso tem implicações formidáveis no momento em que eles começam a se juntar, mas subsiste um rastro estranho de constrangimento que perdura até muito depois do fim do filme. Não se fazem mais crises conjugais que explodem de intensidade, como a de Possessão (1981, Andrzej Żuławski).

No fim, o horror corporal acaba sendo um elemento mais engraçado do que medonho, e o terror fica por conta da abominável visão de duas pessoas chatas terem suas próprias chatices fundidas, gerando uma xaropada ainda maior. É o horror ordinário de continuar em um relacionamento ruim. Cuidado, a monotonia vai te pegar!
Juntos tem cenas excelentes, mas pontuais, e seu mérito se concentra no timing cômico e na bonita cinematografia de Michael Shanks. Seus curtas Rebooted (2019) e Time Trap (2014), disponíveis gratuitamente no YouTube, demonstram sua originalidade e sua paixão por efeitos visuais, o que faz com que valha a pena guardar seu nome para acompanhar os próximos lançamentos – com sorte, serão menos pasteurizados. Que o sucesso de Juntos dê a ele a força de bater de frente com os estúdios e fazer filmes para nós, freaks, sempre entregues ao amor.
Juntos estreia em 14 de agosto nos cinemas brasileiros.