Cante para mim: 20 versões do 'Fantasma da Ópera' para conhecer
- Matheus Marchetti

- há 7 horas
- 16 min de leitura

Mesmo sem o pedigree literário de um Drácula ou Frankenstein, o romance Le Fantôme de l’Opéra de Gaston Leroux (originalmente publicado como folhetim em 1909, e depois como livro em 1911) se consagrou como um dos Grandes Monstros do imaginário gótico popular graças às suas inúmeras encarnações nos palcos, cinema, e televisão. Até o Brasil teve seu próprio Fantasma, como uma minissérie da falecida Rede Manchete em 1991, ambientada no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Bebendo de variados mitos e fábulas, de A Bela e a Fera à Hades e Persephone, além de incorporar fatos e personagens verídicos com lendas e boatos sobre um fantasma que assombrava a Ópera de Paris na virada do século, o livro conta a história de Erik, um gênio mascarado que se esconde nos subsolos da famosa casa de ópera. Com o rosto de um cadáver em decomposição e olhos amarelos de gato, ele é tido como um fantasma pelos funcionários do teatro, os quais ele assombra e extorque para conseguir o que precisa. Erik se apaixona por uma jovem cantora, Christine Daaé, e ganha a confiança da garota se comunicando com ela através das paredes. Em sua ingenuidade, Christine acredita que ele seja o "anjo da música”, que veio dos céus para lhe ensinar a cantar. Erik se torna o mentor de Christine, e ela, em troca, é completamente devota ao seu Anjo, apesar de seu coração bater mais forte pelo belo visconde Raoul de Chagny, um amigo de infância. Temendo perder seu amor para outro homem, Erik derruba um lustre na plateia durante uma apresentação, e aproveita o caos para sequestrar Christine e levá-la ao seu reino subterrâneo. Lá, ela descobre que seu mestre não é nem anjo nem fantasma, mas um homem apaixonado. Curiosa para descobrir o rosto de seu estranho admirador, ela lhe arranca a máscara… mas o preço a se pagar por ver o rosto da morte cara à cara pode ser fatal!
Uma história que mescla diferentes gêneros dentro de uma narrativa deliciosamente pulp - do horror ao melodrama, do romance ao noir - suas diferentes adaptações normalmente optam por um tom ora profundamente macabro, ora puramente romântico. A mais famosa adaptação, e que talvez melhor mescla esses elementos díspares, é o espetáculo musical de Andrew Lloyd Webber, que estreou em Londres em 1986 e continua em cartaz até hoje, com direção premiada de Harold Prince e cenografia/figurinos de Maria Björnson que revolucionaram o teatro musical. Mas a fama da versão de Webber acabou ofuscando uma série de outras interpretações tão interessantes quanto, e que merecem ser redescobertas. Entre filmes, minisséries, e proshots (gravações de espetáculos teatrais), segue aqui 20 Fantasmas da Ópera que marcaram as telas, em ordem cronológica:

O Fantasma da Ópera / The Phantom of the Opera (Rupert Julian, 1925)
A primeira versão norte-americana do livro (depois de uma adaptação alemã em 1916 que é tida como um filme perdido) e de longe a mais fiel. Foi uma filmagem conturbada contando com várias regravações e dezenas de cortes diferentes lançados ao longo dos anos, que acabaram deixando o resultado um tanto bagunçado, com um final não muito satisfatório que arruina todo o arco de redenção de Erik. Mesmo assim, seu feitiço perdura há cem anos graças à atmosférica direção de arte (uma recriação extremamente fiel da Ópera de Paris num estúdio da Universal - da sala de espetáculos ao misterioso lago subterrâneo) à hipnótica sequência do baile de máscaras em Technicolor, e principalmente a icônica interpretação de Lon Chaney, que também foi responsável pela maquiagem horripilante.

Canção da Meia Noite / Ye Ban Ge Sheng (Weinbang Ma-Xu, 1937)
Um remake chinês do filme de Rupert Julian, incorporando elementos de Cyrano de Bergerac e Romeu & Julieta à tradicional narrativa do Fantasma, com um forte subtexto político e um surpreendente homoerotismo. Como todo bom filme de casa assombrada, este começa com uma trupe de atores chegando em um teatro abandonado durante uma noite chuvosa. Nosso Fantasma, Song Danping, se torna o “anjo da música” não de uma bela soprano, mas de um jovem cantor que ele tanta transformar em um reflexo de sua própria imagem - um duplo de quem ele havia sido antes de ter seu rosto completamente desfigurado por inimigos políticos. Com uma maquiagem talvez ainda mais impressionante que a de Lon Chaney e uma atmosfera genuinamente fantasmagórica que remete aos trabalhos de James Whale, o filme foi um sucesso absoluto em sua terra natal gerando uma continuação e uma série de remakes ao longo dos anos.

O Fantasma da Ópera / Phantom of the Opera (Arthur Lubin, 1943)
Um remake em cores do filme de Rupert Julian, reutilizando os mesmos cenários mas com um roteiro completamente diferente. Introduz uma nova história pregressa para o Fantasma que seria reproduzida em pelo menos meia dúzia de adaptações posteriores: aqui, ele não é deformado de nascença, mas um compositor injustiçado que tem sua música roubada e seu rosto desfigurado por ácido. O roteiro original ainda fazia uma reviravolta inusitada revelando que o Fantasma era o pai de Christine, mas isso foi cortado logo antes da estreia por medo das implicações incestuosas, fazendo com que boa parte do roteiro perca o sentido se o parentesco deles não existe. Lançado durante a Segunda Guerra, a Universal optou por diluir os elementos de horror e colocar o foco em elaborados números musicais e uma subtrama de comédia romântica ala Design for Living (1933). O Fantasma acaba ficando de segundo plano em seu próprio filme, mas a presença marcante de Claude Rains e o espetacular uso de Technicolor garantem seu legado entre os grandes clássicos do horror. A sequência do lustre ao som de Tchaikovsky supera a versão de Julian em todos os aspectos.

O Clímax / The Climax (George Waggner, 1944)
Concebido como uma continuação direta do filme de Arthur Lubin, o projeto foi sendo alterado até perder qualquer vínculo direto com seu antecessor. Susanna Foster, a Christine do filme de 43, volta no mesmo papel, mas o Fantasma foi tirado do seu próprio filme, substituído por um novo vilão interpretado por Boris Karloff, um médico psicopata obcecado por uma jovem cantora lírica, que ele acredita estar possuída pela voz de sua esposa morta. Mesclando a estrutura e os temas de Leroux com o segmento "Antonia" de "Os Contos de Hoffmann" (o vilão é idêntico ao Dr. Mirakle da ópera de Offenbach), essa semi-continuação é quase um remake melhorado do filme de Lubin, com um roteiro mais afiado e uma atmosfera mais sinistra. É uma pena que o grande Karloff nunca tenha interpretado o Fantasma de fato, já que essa é a segunda vez que ele encarna um personagem muito similar, depois de fazer um tenor mascarado homicida em “Charlie Chan na Ópera”.

O Fantasma da Ópera / The Phantom of the Opera (Terence Fisher, 1962)
Entre a década de 50-60, a Hammer estava fazendo uma série de refilmagens do catálogo de monstros da Universal, e o Fantasma não poderia ficar de fora. Terence Fisher usa a história pregressa do compositor injustiçado popularizada pelo filme de Arthur Lubin, mas traz de volta o horror que havia ficado em segundo plano. É um dos poucos filmes que mantém o clima de mistério sobre a identidade do Fantasma, assim como no livro, revelando aos poucos quem realmente é essa sinistra aparição que vaga pelos bastidores no calar da noite. Uma produção de menor orçamento, é menos glamuroso que seus antecessores, mudando a locação de Paris para uma casa de ópera menor da Londres vitoriana. Uma espécie de percursor de O Homem Elefante de Lynch (inclusive, o mesmo teatro foi usado de locação para ambos os filmes), Herbert Lom cria um Fantasma que - apesar de uma aparência mais fantasmagórica e intimidadora que os de Chaney e Rains - é muito mais trágico e benevolente. Como de costume para a Hammer, o filme subverte algumas das cenas mais icônicas do texto original, com um final chocante para quem já assistiu qualquer outra versão. Destaque também por ser o primeiro filme à utilizar a Toccata e Fuga em Dó Menor, de Johann Sebastian Bach, que por muitos anos virou quase sinônimo do Fantasma da Ópera (antes de ser substituída pela similar Overture de Andrew Lloyd Webber).

O Fantasma do Paraíso / Phantom of the Paradise (Brian De Palma, 1974)
Usando novamente o arco do compositor injustiçado com sua música roubada, introduzido por Lubin e aperfeiçoado por Fisher, Brian De Palma cria uma ousada desconstrução do terror gótico, incorporando Fausto (a ópera que é encenada pela companhia no livro original) e O Retrato de Dorian Gray à narrativa do Fantasma, não mais ambientada numa casa de ópera do século 19 mas no mundo psicodélico do glam-rock dos anos 70. Nosso Fantasma, Winslow Leach, tem seu rosto desfigurado pela máquina que está imprimindo os discos de sua própria música. Com sede de vingança, ele passa a aterrorizar o Paraíso - uma casa de shows comandada pelo seu arqui-inimigo, Swan, um Dorian Gray da indústria musical. Tendo perdido sua voz no acidente que lhe roubou a face, Winslow encontra na bela Phoenix (Jessica Harper, de Suspiria) a intérprete ideal para dar vida às suas canções, e precisa salvá-la das garras de Swan antes que seja tarde demais. Insano, irreverente, e irresistível, esse é sem dúvida a melhor encarnação do livro de Gaston Leroux para as telas, cheio de imagens icônicas que foram inspiração para tudo desde Star Wars e The Rocky Horror Picture Show até bandas como Daft Punk e My Chemical Romance.

O Fantasma da Ópera / Phantom of the Opera (Robert Markowitz, 1983)
Telefilme deliciosamente sombrio dos anos 80, essa versão é uma fusão do filme de Rupert Julian com o remake de Terence Fisher e um toque de The Climax. Ambientado na Húngria dos anos 30, aqui é introduzida uma nova história pregressa para o Fantasma: ele é um maestro querendo se vingar do suicídio de sua esposa, e em sua busca por justiça acaba tendo o rosto desfigurado num incêndio. A Christine dessa versão (interpretada por Jane Seymour) aparenta ser uma reencarnação da esposa falecida. Esse elemento do compositor apaixonado seguindo sua amada morta até o submundo enfatiza os temas de Orfeu e Euridice introduzidos no livro, enfatizando um tom mitológico menos explorado nas versões anteriores. Apesar de menos conhecido, Maximillian Schell se destaca como talvez o Fantasma mais assustador de todos (com uma maquiagem apavorante de Stan Winston, e uma máscara cinza que consegue ser ainda mais macabra), e apesar das várias mudanças ao texto, é o que mais se aproxima das descrições de Gaston Leroux.

O Fantasma da Ópera / The Phantom of the Opera (Al Guest, Jean Mathieson, 1987)
Animação para o público infantojuvenil, essa adaptação condensa fielmente o livro de Leroux em menos de 60 minutos. É um eficiente “resumo da ópera”, e que se destaca por ter um dos personagens mais importantes do livro (O Persa) que é ignorado na grande maioria das adaptações. Não é a mais bela das animações, sendo essencialmente uma produção de baixo orçamento, com um Fantasma que parece mais um chimpanzé verde do que qualquer coisa, mas ainda assim tem seus charmes. Apesar de ser feita para um público de crianças, essa versão surpreende com seu Fantasma extremamente cruel, que inclusive mata um gato nos primeiros cinco minutos sem nenhum motivo aparente.

Terror na Ópera / Opera (Dario Argento, 1987)
O primeiro de dois filmes do Maestro do Horror baseados na história, esse giallo hiper-estilizado é mais livremente inspirado (o tom é mais Thomas Harris do que Gaston Leroux), usando a mesma premissa de uma jovem soprano sendo assombrada por uma admirador mascarado para criar algo novo e deliciosamente macabro. Este “Fantasma" demonstra seu amor de uma forma bem menos carinhosa que seus antecessores, amarrando e amordaçando sua amada, colocando agulhas debaixo dos seus olhos para que ela não possa fechá-los enquanto ele mata todos que ela ama com requintes de crueldade. O elemento sobrenatural da “ópera assombrada” vem não da ideia de um fantasma, mas sim do fato de estarem montando Macbeth de Verdi, o texto Shakespeariano notoriamente amaldiçoado. Apesar das várias divergências, Argento mantém quase todos os tropos e arquétipos associados à essa narrativa, e ironicamente, tem uma estrutura de cenas quase idêntica ao então recente musical de Andrew Lloyd Webber. Um clássico do horror que é possivelmente a obra-prima de Argento.

Fantasma da Ópera: O Filme / Gaston Leroux’s The Phantom of the Opera (Dwight H. Little, 1989)
Concebido como um veículo para Robert Englund, essa é a adaptação que mais mergulha no horror da narrativa, com um Fantasma misto de Leatherface, Freddy Krueger, e Beethoven. Sem uma tradicional máscara, ele usa a pele de suas vítimas para esconder seu rosto desfigurado, que desta fez foi causado por um pacto com o demônio (em um paralelo com a ópera Fausto). Assim como na versão de Fisher, a locação é Londres em vez de Paris, mas ironicamente, foi gravado em Budapeste usando muitas das mesmas locações e cenários do filme de Markowitz. A fusão de um respeitável melodrama vitoriano com as mortes absurdamente gráficas de um slasher dos anos 80 nem sempre funciona, mas é inusitada o suficiente para ser interessante, com momentos inspirados de violência. A ausência da famosa cena do lustre é uma pena, mas a trilha sonora de Misha Segal é deslumbrante.

O Fantasma do Shopping / Phantom of the Mall: Eric’s Revenge (Richard Friedman, 1989)
Outra tentativa de mesclar o texto de Leroux com o popular slasher dos anos 80, esse vai ainda além da versão de Dwight Little lançada no mesmo ano, trocando a tradicional Ópera de Paris pelo suprassumo da cultura adolescente norte-americana: o shopping center. O Erik com K de Leroux vira o Eric com C mais propício para um adolescente da época, afinal, esse Fantasma é um garoto colegial que “morreu” num incêndio criminal. Seu bairro foi incendiado por políticos corruptos, para que um shopping fosse construído em seu lugar. Ele assombra os escombros do shopping, observando Melody (sua ex-namorada do colégio, que agora trabalha no local) por câmeras de segurança e dutos de ar condicionado, e sendo um jock assíduo, ele puxa ferro no escuro em vez de tocar um órgão, afinal é importante manter o corpão mesmo se seu rosto esteja completamente desfigurado. O mais “besteirol" de todos os Fantasmas, mas divertidíssimo da forma que todo subproduto de A Hora do Pesadelo costuma ser.

O Fantasma da Ópera / The Phantom of the Opera (Tony Richardson, 1990)
Minissérie baseada num musical original de Maury Yeston e Arthur Kopit que foi concebido antes da versão de Andrew Lloyd Webber, mas que nunca havia sido montado por medo de competir com o blockbuster britânico. A adaptação para a TV descarta as músicas de Yeston mas é extremamente fiel ao roteiro de Kopit, que ao contrário da sanguinolenta interpretação de Robert Englund, remete mais ao Bela e a Fera de Cocteau, e traz em Charles Dance o mais gentil e sedutor dos Fantasmas, tão carismático quanto trágico. Filho do romance proibido entre uma bailarina e um assistente de produção, dotado da voz de um anjo mas o rosto de um demônio, ele foi criado nas catacumbas debaixo da Ópera, um menino perdido cujo único contato com o mundo exterior é através das óperas. Seu romance com Christine é mútuo e consentido, mas claro, não acaba bem. Inspirado no terror psicológico de Val Lewton nos anos 40, que deixa o macabro para a imaginação, o rosto desse Fantasma nunca é mostrado para o público. Vemos apenas a reação de quem vê o segredo por trás da máscara, e é o suficiente para imaginarmos o pior. Destaque por ser a única versão filmada em locação no Palais Garnier, a antiga Ópera de Paris onde se passa a história.

O Fantasma da Ópera / The Phantom of the Opera (Darwin Knight, 1991)
Gravação de um outro musical autoral, produzido por um teatro na Flórida que, sem conseguir os direitos para montar a versão de Andrew Lloyd Webber, resolveu fazer o seu próprio. Foi lançada em VHS e DVD na década de 90 e acabou sendo um pequeno sucesso de vendas, não exatamente por sua qualidade, mas sim porque muitos acabaram comprando achando que era uma gravação do musical da Broadway. O resultado é uma cópia barata da versão de Webber, tanto em termos de texto como de cenografia (parece quase uma montagem estudantil), mas que funciona graças ao histriônico Fantasma de David Staller e uma Christine mais independente e complexa do que o de costume (interpretada por Elizabeth Walsh), além de algumas músicas chicletes que não desgrudam da cabeça (“Perfect Music, Perfect Love” é um lacre absoluto).

O Fantasma do Cinema / Popcorn (Mark Herrier, 1991)
O melhor na onda de “O Fantasma do… (insira outro local aleatório aqui)” que adaptam a narrativa para qualquer outro espaço que não um teatro, esse trás a Christine do filme de Robert Englund (Jill Schoelen) reprisando o mesmo papel, e o querido Fantasma do Shopping (Derek Rydall) agora fazendo o Raoul da história. Ambientado em um velho cinema abandonado, Popcorn traz um grupo de jovens cinéfilos tentando restaurar o local para fazer um noitão de filmes de terror B dos anos 50 no Halloween. Eles mal sabem que ali foi o local que um polêmico diretor de filmes malditos (que, ironicamente, foram inspirados nas obras do nosso José Mojica Marins) "morreu" em um incêndio anos atrás, e ele está louco para terminar sua inacabada obra-prima do horror, custe o que custar. O interesse desse Fantasma por essa “Christine" é mais vingativo do que romântico, mas a caracterização de Tom Villard como esse multiartista megalomaníaco homicida remete muito mais ao Erik de Leroux do que a maioria das outras versões aqui citadas.

The Phantom Lover / Ye Ban Ge Sheng (Ronny Yu, 1995)
Remake suntuoso do "Canção da Meia-Noite” original, traz o maravilhoso Leslie Cheung como Fantasma, acentuando a característica homoerótica dessa vertente da história em particular. Apesar do diretor Ronny Yu ser mais famoso no mundo ocidental por seu trabalho em A Noiva de Chucky e Freddy vs Jason, sua interpretação da história tem muito pouco em termos de horror, focando mais no melodrama e no romance, tudo com muito estilo. É um filme consideravelmente mais ocidentalizado e menos politizado que o original de Maxu-Weibang, com um teatro que se assemelha muito à arquitetura das casas de ópera europeias, apresentando espetáculos musicais no estilo pop anos 90. O filme parece ter sido uma forte influência para Joel Schumacher, particularmente no seu uso do tempo presente monocromático num teatro abandonado, que muda para cores vibrantes quando voltamos ao passado. Ao contrário de Schumacher, porém, Yu consegue balancear muito melhor a atmosfera gótica e misteriosa da narrativa com um clima romântico, e ao contrário de Gerard Butler, Cheung realmente tem a voz digna de um “anjo da música”.

Um Vulto na Escuridão / Il Fantasma dell’Opera (Dario Argento, 1998)
A segunda excursão de Dario Argento pela história se propõe como uma adaptação mais direta do livro de Gaston Leroux, mas com uma pequena mudança radical: o Fantasma de Julian Sands não é desfigurado, mas sim, uma espécie de “príncipe das sombras” criado por ratos nos esgotos de Paris, com poderes sobrenaturais e tendências canibais. Um misto de Rick Wakeman com o Drácula de Gary Oldman, a atração mútua dele por Christine é carnal em vez de artística, despertando na virginal soprano seus instintos mais animalescos. Alienando tanto os fãs do diretor (por não se parecer com os seus outros filmes) como os fãs do livro (por mudar muito do texto), esse Fantasma é uma excêntrico show de horrores a ser redescoberto. Erótico, grotesco, e deliciosamente perverso, Argento cria um conto de fadas macabro no melhor estilo Ken Russell, apresentando o mundo da ópera com os mesmos excessos e irreverência do grande diretor britânico. Um contraste de imagens simultaneamente sublimes e do mais puro mau-gosto, embalado numa belíssima trilha musical do gênio Ennio Morricone, esse é o Showgirls do Dario Argento, que deveria ser reavaliado e reapreciado tanto quanto o clássico maldito de Verhoeven. Vale ressaltar que, apesar do personagem título ter sido completamente reescrito, o roteiro de Gerard Brách (do maravilhoso Repulsa ao Sexo) tem uma estrutura episódica que navega por dezenas de excêntricos personagens secundários, (incluindo figuras históricas como Charles Gounod, Edgar Degas, e o próprio Gaston Leroux) e uma atmosfera mitológica que capta o tom do original de forma mais precisa do que outras variações mais “fiéis”.

O Fantasma da Ópera / The Phantom of the Opera (Joel Schumacher, 2004)
O tão aguardado filme do musical de Andrew Lloyd Webber se originou no fim dos anos 80, originalmente mantendo as estrelas da peça (Michael Crawford e Sarah Brightman) nos papéis principais. O divórcio de Brightman e Webber, porém, atrapalhou os planos e atrasou o lançamento até 2004. Schumacher continuou firme e forte com o projeto durante todo esse tempo, e de fato, o resultado final muito se assemelha à algo que poderia ter sido feito na década de 80, por bom e por mal. Sua abordagem hiper-sexualizada e colorida do musical tira quase por completo o elemento gótico e sombrio que era crucial para a versão de palco funcionar. A tragédia do Fantasma se torna ridícula se ele é apenas Gerard Butler, com o peitoral malhado sempre à vista e apenas uma leve queimadura de sol como “deformidade”. O filme acaba funcionando mais em clima de sonho febril, como a fantasia erótica de alguém que acabou de assistir a peça pela primeira vez, e é dirigida com tanto gosto e opulência que é difícil não se apaixonar… ainda mais num mundo que filmes musicais estão ficando cada vez mais visualmente estéreis e sem um pingo de libido (vide Wicked). Uma caixinha de doces talvez excessivamente açucarada, mas irresistível, que fez toda uma nova geração redescobrir e se encantar com essa história.

O Fantasma da Ópera no Royal Albert Hall / The Phantom of the Opera at the Royal Albert Hall (Lawrence Connor, Nick Morris, 2011)
Uma comemoração dos 25 anos do musical de Andrew Lloyd Webber em Londres, esta versão é erroneamente interpretada como uma gravação do espetáculo em si. A montagem aqui apresentada mantém os suntuosos figurinos de Maria Björnson e muitas das marcações originais de Hal Prince, mas possui todo uma nova cenografia para se adequar ao espaço maior do Royal Albert Hall. Infelizmente, essa nova cenografia é feita quase exclusivamente por telas de LED que já eram feias ao vivo e ficam ainda piores na câmera, e a tão aguardada queda do lustre é uma decepção (ele apenas solta fogos, mas não despenca). Felizmente, porém, essa produção conta com um dos melhores elencos que a peça já teve - Ramin Karimloo e Sierra Boggess se tornaram a dupla de Fantasma/Christine definitiva para a nova geração. É uma ótima alternativa ao filme de Joel Schumacher que (se você ignorar os terríveis telões de LED) representa bem melhor o universo fantasmagórico e macabro da peça que cativou o mundo por quase quatro décadas. Para quem tem medo de assistir gravações ilícitas do espetáculo original no YouTube, essa é a melhor opção.

Love Never Dies (Brett Sulivan, 2012)
A infame continuação do musical de Andrew Lloyd Webber é quase tão universalmente odiada quanto o original é universalmente idolatrado. Adaptado de um livro de Frederick Forsyth (encomendado pelo próprio Webber), Love Never Dies traz o Fantasma como o dono de um parque de diversões em Coney Island (!!!), tentando se reconciliar com Christine… e contar mais do que isso vai estragar as surpresas (assombrosas e fascinantes) que te esperam neste insano circo de aberrações. Essa gravação em particular, de uma montagem australiana que foi extensivamente revisada, é espetacularmente filmada para se parecer com Moulin Rouge! de Baz Luhrmann, com cenários e figurinos belíssimos, um elenco afiado e melodias que estão entre as mais cativantes de Webber. A combinação desta elegante apresentação com um texto que parece continuação direct-to-video da Disney dos anos 90 cria uma das experiências musicais mais bizarras e fascinantes que você vai ver, basta ter coragem para enxergar “a beleza interior”.

Phantom: The Musical (Park Jae-seok, Eunah Kwon, Robert Johanson, 2021)
Outra peça filmada diretamente do palco, mas desta vez é uma versão coreana do musical de Maury Yeston e Arthur Kopit, que originou a minissérie de 1990, e estrelando o astro de k-pop Kyuhyun como o Fantasma. Entitulado simplesmente Phantom (sem “of the Opera” para não se confundir com o de Webber), o musical se tornou um grande sucesso entre companhias regionais de teatro por ser justamente uma alternativa mais acessível e barata, normalmente montado em escala menor. Esta montagem, que ficou por anos em cartaz em Seoul, é uma mega-produção quase tão suntuosa quanto a de Webber, e igualmente cativante. A dramaturgia de Kopit, como comprovado pela minissérie, é uma das interpretações mais refinadas e emocionantes do livro, e cresce ainda mais quando contada através das composições de Yeston. O primeiro ato pode até parecer um tanto ingênuo e antiquado em comparação ao de Webber, mas o surreal segundo ato (ambientado quase inteiro no submundo mágico do Fantasma) revela uma riqueza de texto e música que muitas vezes supera o seu rival britânico mais popular. Melodrama no seu estado mais puro, e mais belo. Imperdível.
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