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  • Foto do escritorYuri Cesar Lima Correa

[Editorial] Armadilha Mortal: quando o Super-Homem beijou o Alfred

Atualizado: 29 de abr. de 2021

Cuidado: spoilers de um filme com quase 40 anos de idade.

Mas ainda assim, spoilers.



Quem lembra quando o Super-Homem beijou o Alfred? Pois é, essa cena acontece em Armadilha Mortal, filme de 1982 no qual Christopher Reeve, o clássico intérprete do Super-Homem, vai lá e tasca um beijo em Michael Caine ator desde os anos 1940 e já com dois Oscars na mochila, mas soberanamente lembrado pela nova geração como Alfred, o mordomo do Batman na trilogia dirigida pelo Christopher Nolan. Infelizmente, parece que esse título foi apagado da carreira de ambos os atores, assim como da filmografia do aclamado diretor do projeto. E olha que não estamos falando de filme ruim, trata-se de um thriller bem tenso, espertinho, ácido e cheio de gostosas reviravoltas.


O que houve então? Foi o beijo entre dois homens que enterrou a fama do longa? Não, a bitoquinha entre Reeve e Caine é só a ponta de um iceberg de desconforto que existe no cinema estadunidense com tudo que envolve tensão sexual masculina. Há um contexto mais amplo que acompanha o apagamento de filmes como Armadilha Mortal ou, Deathtrap, como é mais conhecido. E nesse caso específico, isso é “culpa” do cineasta Sidney Lumet. Quem? Exato. Mesmo entre os cinéfilos é comum alguém demorar um pouco para lembrar quem foi Lumet. E quando a memória bate, não é raro que recordem dele apenas como “o cara que dirigiu 12 Homens e Uma Sentença, Serpico, Um Dia de Cão ou Rede de Intrigas”. Ao contrário de seus colegas diretores que se criaram no meio cultural de Nova York, como Steven Spielberg, Francis Ford Coppola, Brian de Palma e Martin Scorsese, Lumet não é tão conhecido pelo nome ainda que seus filmes sejam.


Isso nos diz que as pessoas reconhecem a qualidade inegável dos seus trabalhos, mas que talvez seja difícil para muita gente identificar qual é a marca dele, aquilo que te faz erguer o indicador e dizer: “Ah, isso aí é muito Sidney Lumet!”. E, de fato, Sidney foi um contador de histórias muito mais sutil do que os demais citados acima. Peguem como exemplo 12 Homens e uma Sentença (1957, imagem abaixo), filme todo ambientado numa sala de jurados onde o debate vai gradativamente ficando mais tenso conforme os personagens desnudam seus preconceitos e acirram atritos uns com os outros. Méritos do roteiro? Com certeza, mas igualmente da direção. Na primeira metade do filme, além de escolher planos mais abertos, Lumet também opta por lentes comuns (28mm a 40mm). Entretanto, ali pelo meio, o cineasta já começa a fechar os enquadramentos e escolher lentes mais amplas (50mm a 100mm), lentes essas que trazem menor profundidade de campo (mais desfoque), e que aumentam os objetos posicionados ao fundo do plano. Só que nesse caso, os objetos no fundo são as paredes da sala de jurados. Então, na prática, a impressão é a de que o cenário vai se fechando mais e mais em torno dos doze homens do título a cada nova cena, salientando a tensão crescente entre eles. É uma estratégia narrativa brilhante, sem dúvidas, mas precisamos reconhecer que se trata de uma “marca” menos óbvia do que fazer um menino e um e.t. de bicicleta passarem voando na frente da lua.



Outro motivo que deve ter contribuído para que Lumet não apareça recorrentemente ao lado desses nomes mais famosos da efervescência cultural na costa leste dos Estados Unidos, é o fato de que ele é um pouco mais velho do que os outros. O mais veterano da turma, Francis Ford Coppola, nasceu em 1939, ano no qual Lumet já completava seus quinze anos de idade e mais de dez como ator na Broadway, onde estreou aos quatro. Também são trajetórias muito diferentes, pois enquanto Sidney passou o primeiro terço de sua vida no teatro e só pegou numa câmera com quase trinta anos, a geração posterior já foi direto estudar e fazer cinema. Logo, não é difícil imaginar a cena: Spielberg, De Palma e Coppola sentados num bar, no começo dos anos 1970, discutindo como os filmes da costa oeste precisam de mais referências europeias, profetizando que uma hora ou outra um daqueles hippies acabaria matando alguém importante de Hollywood, isso enquanto tiram sarro do colega nerd que vive na biblioteca Martin, claro. Sidney era o tiozão no meio dessa gurizada. Não surpreende, portanto, que tenha ficado um tanto escanteado, ainda que sua filmografia seja tão consistente quanto a desses outros.


Porém, além das sutilezas narrativas e da diferença geracional, é preciso levar em conta um terceiro motivo, o mais revelador deles: a tal da tensão sexual masculina presente nos filmes de Sidney Lumet.


Não, Lumet não foi um diretor de temáticas LGBTQIA+, longe disso. Na verdade, ele cansava de dizer que nunca escolheu seus projetos pelo tema, e sim pelo efeito emocional que os roteiros exerciam durante a leitura, ou pela oportunidade de contar uma boa história independente sobre o que ela fosse. E ninguém pode dizer que o cara mentiu. De 12 Homens e uma Sentença até o seu último projeto em vida, o excepcional Antes que o Diabo saiba que Você está Morto (2007), Lumet navegou por uma miríade de assuntos, personagens, conflitos e contextos sociopolíticos. Talvez até mais do que o seu sutil brilhantismo como cineasta, essa pode ter sido a melhor característica que Sidney teve enquanto artista.


O resultado dessa versatilidade foi que o realizador acabou aceitando dirigir algumas histórias que talvez seus colegas tivessem recusado. Histórias com personagens gays, bissexuais e até transgênero. Scorsese é um gênio, Coppola fez história, De Palma é… Bom, eu gosto do De Palma. Mas onde estava a sigla da diversidade nesses filmes todos que eles fizeram? E nem me deixa começar a falar do Spielberg. Dá pra imaginar um cineasta que represente mais a instituição da família heteronormativa estadunidense classe-média branca do que Steven Spielberg? Sério, sem desconsiderar todas as qualidades e a relevância que o cara tem, cairia um braço se o Elliott fosse uma criança viada fã da Diana Ross, da Tina Turner ou do Prince? Aliás, essa percepção está longe de ser exclusividade deste artigo. Em 2005, o crítico e pesquisador Joshua David Bellin publicou um livro chamado Framing Monsters, no qual ele propõe uma análise de gênero em cima de Jurassic Park (1993), definindo o projeto como um manifesto pela família patriarcal que vilaniza as feministas através da ameaça representada pelas dinossauros fêmeas do filme.


Muita viagem? Talvez. Fato é: difícil imaginar Spielberg indo dirigir Um Dia de Cão (1975, imagem abaixo), no qual Sonny, personagem do Al Pacino, decide roubar um banco para pagar a cirurgia de troca de sexo do seu namorado. Quem acabou dirigindo esse foi o Sidney Lumet. E ainda que, depois disso, ele só tenha voltado aos personagens LGBTQIA+ em 1982 com Armadilha Mortal (filme que nos trouxe até aqui), é bem plausível supor que a temática acabou contaminando a percepção que as pessoas tinham sobre o resto da sua filmografia.



A tal da tensão sexual masculina deve ter se assentado feito uma luva nos seus outros projetos depois que ele abordou tão abertamente esses temas. Afinal, não apenas vários de seus filmes falam sobre o embate de poder entre homens, como também Sidney foi um mestre em salientar esses confrontos. Vindo do teatro, onde o diálogo e as atuações são peças fundamentais para se contar histórias, Lumet sempre trabalhou pesado para ressaltar os momentos de troca ou desabafo entre os personagens. Planos longos que escrutinam em close as performances do elenco, assim como a ausência de trilha sonora, foram outras das ferramentas sutis que o diretor utilizou para engrandecer as emoções e os conflitos. No próprio Um Dia de Cão há uma cena em que Sonny fala ao telefone por vários minutos com o namorado, Leon (Chris Sarandon), e o teor extremamente pessoal da conversa é ressaltado por essas técnicas que citei. Ou seja, a discussão da transexualidade estava dada não apenas de forma bem aberta e didática, como também foi potencializada pela linguagem. E vamos lembrar, isso era 1975. Não tem como esse “detalhe” ter passado despercebido, e prova disso é que Um Dia de Cão continua sendo lembrado pela cinefilia como um “filme de assalto”, não como um thriller sobre a exclusão econômica e social da população LGBTQIA+, muito embora o desespero por dinheiro seja a motivação do protagonista. Muito embora o preconceito seja um fator central na construção dos conflitos entre ele e a polícia. Muito embora o filme mostre a comoção da comunidade gay e trans em torno do ato de Sonny.


Não há dúvida de que o assunto era considerado espinhoso. O próprio Sidney Lumet tem dificuldade de tocar nesse tópico mesmo vinte anos depois. Durante uma entrevista concedida em 1995 para a TV, o cineasta fala profusamente por mais de vinte minutos. Como ex-ator de teatro e experiente diretor de cinema, o cara não parece ter problema nenhum para elaborar suas respostas e, ainda assim, o único momento em que ele hesita, é quando precisa escolher as palavras para se referir a Leon, o personagem transgênero de Um Dia de Cão. E como ele acaba chamando Leon? “The male wife of the protagonist”, que, na mais gentil das traduções, ainda fica como “A esposa masculina/macho do protagonista”.


Sério? Esse foi o melhor que tu conseguiu fazer, Sidney? Ok. O ponto é: assim como foi tabu em um de seus filmes mais consagrados, não surpreende que a orientação sexual ou identidade de gênero dos personagens tenha sido igualmente um tabu em Armadilha Mortal. E tal como como Spielberg ficou marcado pela valorização da família e da amizade, não é difícil imaginar que as pessoas tenham olhado para todos aqueles embates masculinos nos filmes de Lumet, todos aqueles conflitos de ego e poder e começado a enxergar ali outra coisa.


Aliás, não é como se Sidney tivesse dificultado a vida dessa gente, não é? Entre Um Dia de Cão e Armadilha Mortal, o diretor levou para o cinema uma adaptação da peça Equus. A juventude gay dos anos 2000 vai lembrar dela porque foi a peça na qual o Daniel Radcliffe aparece peladão na época, todo mundo queria ver o p**to do Harry Potter. E tal qual a montagem para o teatro, na versão para as telonas lançada por Lumet em 1977, o protagonista (Peter Firth) também aparece nu sem muitos pudores, o que lhe garantiu indicação ao Oscar, inclusive. Assim como para seu parceiro de cena, o aclamadíssimo ator Richard Burton. Então assim, sem dúvida que uma imagem sobre o cinema de Sidney começou a se formar. Transexualidade, gays, garotos nus com mentores mais velhos… Hmmm. Olhando em retrospecto para seus outros filmes, os sinais desse desconforto devem ter começado a emergir em meio à maestria de sua obra. E nesse aspecto, dentre seus títulos anteriores, chama a nossa atenção outro de seus trabalhos mais apagados, o terror psicológico Child’s Play (de 1972, não confundir com Child’s Play de 1988, do brinquedo assassino Chucky), no Brasil o nome recebeu a tradução de Brincadeira de Criança (não confundir com a música do Molejo). Na história, dois professores com estilos completamente diferentes acirram sua rivalidade quando estranhos eventos passam a acontecer durante a noite pelos corredores do colégio onde lecionam. Meio que uma Hogwarts do mal, o lugar é uma escola católica exclusiva para garotos e, ao que tudo indica, os estudantes parecem estar formando secretamente uma espécie de seita extremista e violenta.



Amparado nas atuações monstruosas de Robert Preston e, particularmente, na do veterano James Mason, Child’s Play orbita ao redor do conflito entre esses dois homens de ideologias muito distintas. Enquanto Joseph (Preston) é mais despojado e popular entre os meninos, Jerome (Mason) é rígido, conservador e antipático imagina assim o próprio Snape, sem tirar nem botar. O primeiro acredita que os assustadores episódios ocorrendo no colégio são culpa da austeridade do outro, enquanto Jerome já é da ideia que Joseph é quem está influenciando os garotos a serem violentos. Conforme a coisa escala e os atentados no prédio passam a atingir também as figuras religiosas do lugar, surge a suspeita de que a rebelião é anticristã. A verdade é que os alunos estão é se rebelando contra uma opressão genérica reforçada por Sidney Lumet através de planos que transformam o colégio num lugar cheio de esquinas e nichos escuros, passagens apertadas, janelas gradeadas e escadinhas que parecem nunca levar a uma saída.


O “monstro” do filme é esse perigoso corpo de alunos que pode atacar a qualquer instante e em qualquer lugar. Mas o vilão do projeto é outro, e cabe ao público julgar quem ele é de verdade. Obviamente que, ao final, o filme nos entrega uma resposta (talvez minha única ressalva com o roteiro), mas até lá, existe um troca-troca entre quem é culpado e quem é vítima. Será Joseph ou Jerome? E se a tendência é que torçamos pelo tipo mais carismático e liberal, muitas vezes o professor malvadão acaba revelando uma fragilidade inesperada que traz a torcida pro seu lado, tornando o embate muito mais complexo. E também não foi por acaso que falei em “troca-troca”, pois o que está em jogo ali é a responsabilidade pelos atos nefastos que os meninos andam fazendo entre si pelos cantinhos escuros durante a noite. Pegou a ideia? O filme leva ao raciocínio de que essa loucurada toda é resultado de um sistema organizado para oprimir e cercear as vontades daqueles rapazes. E aí, para quem já tem no balaio Um Dia de Cão, Equus e Armadilha Mortal, a sugestão da temática subjacente está dada.


Agora, desconsiderando isso tudo, ainda dá para entender porque Child’s Play foi soterrado e esquecido. É só lembrar que os atores do filme já tinham passado pelo ápice da fama, e a nata intelectual estadunidense não leva a sério o gênero Horror nesse período, o pessimismo era visto como algo muito europeu, sem contar que ainda era muito recente o fato de que o Horror fortaleceu suas raízes na Alemanha nazista. Além disso, Sidney Lumet lançaria três de seus maiores filmes entre 1972 e 1976, Serpico, Um Dia de Cão e Rede de Intrigas. Nesse contexto, a tensão sexual deve ter sido apenas a última pá de terra em cima deste pequeno tesouro. O que não é o caso do filme que catalisou o nosso texto. Quando Armadilha Mortal foi lançado, seus dois protagonistas estavam no pico do reconhecimento. Em 1982, Christopher Reeve tinha recém saído de Superman II (1980) e já estava confirmado em Superman III (1983), enquanto Michael Caine já colecionava duas indicações ao Oscar seria indicado de novo em 1983 e venceria em 1987. O próprio Lumet vinha de uma sequência de sucessos consecutivos, tanto de público quanto nas premiações. E por fim, o filme é a adaptação de um sucesso da Broadway indicado a quatro Tony Awards e que até hoje detém o recorde de peça no estilo thriller que mais tempo ficou em cartaz. Então como explicar seu apagamento, se não pelo fato de que o longa dá palco a dois protagonistas abertamente gays?


A história acompanha o dramaturgo Sidney Bruhl (Caine) a partir da noite em que ele atinge o fundo do poço, pois sua peça mais recente foi destroçada pelo público durante a primeira exibição. Desesperado para conquistar de volta a fama e o reconhecimento de outrora, ele decide roubar o roteiro escrito por um jovem estudante de teatro, Clifford (Reeve). Ainda muito ingênuo, o garoto pode não ter noção de que está sentado em cima de um sucesso estrondoso. O plano então é convidar o rapaz para jantar e dar jeito nele e como estamos falando de um típico mistério no estilo whodunit (“quem fez?”), inspiradíssimo nos livros de Agatha Christie, vocês já imaginam o que “dar jeito nele” significa nesse caso.



Eventualmente, chega a cena do beijo. Polêmica, estima-se que ela custou para o estúdio uns R$10 milhões de dólares em bilheteria. Um valor alto até para os dias atuais, imagina em 1982. Um aviso: para quem não conhece o filme e vai resgatá-lo esperando uma representação naturalista de um casal gay em plena década de 1980, esquece. Essa era a época em que os viados e travestis eram os grandes vilões de Hollywood. Ao longo dos anos, a homossexualidade já foi tratada de muitas formas no cinema mundial, variando um pouco com a época e o lugar. Nos Estados Unidos, a partir dos anos 1970, depois da onda de movimentos pelos direitos sociais do final dos anos 1960, os filmes passaram a lembrar mais dos LGBTQIA+, só que como mentes perturbadas, psicóticas ou de alguma forma associadas à doença mental — que afinal de contas, era um argumento amplamente utilizado para explicar a nossa existência.


Podemos, portanto, problematizar o fato de Armadilha Mortal trazer dois protagonistas gays numa trama recheada de crimes e assassinato. Ou quem sabe apontar o modo felino que Christopher Reeve passa a interpretar Clifford depois que se revela a sua orientação sexual. Nada disso está incorreto, o filme do Lumet é produto de seu tempo e carrega os preconceitos do mesmo. Entretanto, hoje em dia é mais fácil associar a representação gay do longa com o estilo geral da produção, que carrega muito da linguagem teatral de onde saiu. A verdade é que, em 2021, o filme parece até muito gentil na maneira que mostra e trata seus protagonistas. Claro, isso em comparação com o contexto ainda mais negativo que acabou se formando em volta da comunidade LGBTQIA+ durante toda a década de 1980 com a chegada da pandemia de AIDS. Sendo que, mesmo antes disso, os próprios atores já evitavam entrar nessa discussão.


Pesquisando entrevistas do Christopher Reeve na ocasião do lançamento do filme, o assunto vem à tona numa pergunta feita pela jornalista Bobbie Wygant, ela começa: “o seu personagem tem tendências homossexuais...”. Lembrem que isso é o começo dos anos 1980, vamos tentar não focar na expressão “tendências homossexuais” e prestar mais atenção em como Christopher escapou dessa. E eu digo “escapar”, porque ele realmente precisava desconversar o assunto, já que a homossexualidade dos personagens é um dos muitos plot twists do roteiro mas fique tranquile, além desta, Armadilha Mortal ainda reserva muitas outras surpresas. Porém, mesmo depois que a jornalista revela a reviravolta e fala despudoradamente sobre isso, Reeve insiste em não se aprofundar na temática. Sua resposta é a seguinte: “isso não é importante, nem para mim e nem para ninguém.”


Desculpa, mas eu preciso discordar de você, Chris. Foi muito importante pra mim quando assisti Armadilha Mortal pela primeira vez. E eu entendo que a sua resposta até tenta normalizar o debate em torno da homossexualidade (no sentido de “eles são gays sim, e daí?”), mas a verdade é que se hoje, em 2021, ainda é importante firmar posição sobre o assunto, em 1982 importava ainda mais. Porque não é apenas uma surpresa bem calculada na intrincada trama do filme, é também a elevação imediata de dois viados ao posto de personagens centrais num roteiro inteligente, divertido, tenso e que, tão satisfatoriamente, não reduz os dois à questão do preconceito e da exclusão social. Aliás, é melhor do que isso, porque na peça original da Broadway, os protagonistas não são gays. O autor Ira Levin insistia que os dois eram apenas amigos, e foi apenas quando a montagem saiu de suas mãos que Sidney e Clifford ganharam essa nova característica. E ver o mulherengo Michael Caine e o estandarte do bom moço americano trocando carinhos num filme tão acessível, deveria ter tido um peso singular. Bom, e teve. Só que foi um peso para afundar a questão, e não para fortalecê-la. E como podemos notar, o próprio elenco e direção tiveram papel fundamental no esquecimento da pauta.


Portanto, trocando em miúdos, Sidney Lumet foi esse cineasta que tinha tudo para estar na ponta da língua do povo. É um dos poucos realizadores que atravessa desde a era clássica do cinema estadunidense, produzindo consistentemente em todas as décadas seguintes até a era contemporânea, sobrevivendo à mudança dos tempos, da tecnologia e da linguagem. Brilhante? Sim, mas vítima de uma “armadilha moral”, se me permitem o trocadilho. Hoje cabe a alguns viados dispostos (como eu) desenterrar e redescobrir obras como Armadilha Mortal e Child’s Play, e não só porque são bons filmes, mas porque eles são parte da nossa História, da nossa presença no Cinema ao longo do anos. Então ainda que soe como um click bait, eu sempre vou perguntar por aí: quem lembra quando o Super-Homem beijou o Alfred?

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