[Crítica] Bingo Macabro e Negra Como a Noite: dose dupla de terror
Uma das vantagens da Blumhouse ter se mantido fiel ao modelo independente de ser fazer cinema que os levou ao sucesso é a contínua descoberta de cineastas cheios de potencial. Além de seus lançamentos principais no cinema, a produtora continua investindo em projetos como Into the Dark e Welcome to the Blumhouse que servem pra apresentar diretores em ascensão através de longas-metragens de baixo-orçamento lançados diretamente no streaming. Ainda que possamos discutir a qualidade de alguns desses filmes (que afinal são limitados), não podemos negar a oportunidade que eles representam pra esses nomes. Nesta semana, Welcome to the Blumhouse retornou à Prime Video com mais um quarteto de filmes originais, esta segunda edição sendo focada em "terrores institucionais e fobias pessoais".
A terceira idade contra-ataca!
O Bingo Macabro (Bingo Hell) apresenta o decadente mas caloroso bairro de Oak Springs. Tomado pela crescente onda de gentrificação, os residentes que ainda restam são os moradores idosos, teimosos demais para abandonar o lugar onde investiram tantos anos de suas vidas. Isso não quer dizer que não haja tentações, visto as constantes tentativas de compras de suas propriedades. Mas quando o salão de bingo local é comprado e renovado pelo misterioso Mr. Big (Richard Brake), cabe à uma senhora (a ótima Adriana Barraza) resistir e salvar seus amigos - e seu bairro - do mal que os espreita.
Se em seu primeiro filme, o enervante Into the Dark: Culture Shock (2019), Gigi Saul Guerrero apostava em um clima a lá Twilight Zone para comentar sobre as opressivas políticas de imigração estadunidenses, aqui ela cria uma comédia de horror, quase um Goosebumps para idosos, onde o vilão principal é a personificação da gentrificação e do "jeitinho americano de ser". O roteiro subdesenvolvido não deixa brechas pra sutilezas ou surpresas e peca ao episodiar momentos de horror ao invés de assegurar um ritmo melhor pra trama, ainda que a sátira tenha bons momentos cômicos (como uma cena em que questionam se o novo bingo é "coisa de gente branca".)
No entanto, existe muito coração em seus personagens, principalmente na protagonista Lupita (inspirada na avó da própria Guerrero) e sua melhor amiga Dolores (L. Scott Caldwell). Destaco um momento em que as duas se abrem em relação a algumas mágoas — como o comportamento rebelde de Lupita ter sido responsável por manter os colegas no bairro, deixando-os à mercê dessa nova ameaça.
Ainda que o trabalho exale uma sensação de "quase lá" — muito devido às limitações orçamentárias que o impedem de ir mais longe —, Guerrero infunde personalidade em seu trabalho bem-intencionado, acionando visuais coloridos à tudo que remete o perigo em Oak Springs, de composições de cores fortes que criam contrastes interessantes na cena à gosmas verdes e gloriosa enxurrada de sangue.
"O verão que ganhei peitos foi o mesmo verão em que lutei contra vampiros"
Assim inicia-se a narração de Negra Como a Noite (Black as Night), terror adolescente que continua a maratona Welcome to the Blumhouse. Remetendo ao tipo de obras que víamos em séries da CW ou MTV no início da década passada, hoje em dia não muito reproduzida, porém já relembrada com certo de nostalgia, o filme é um simpático coming-of-age situado em Nova Orleans que segue Shawna (Asjha Cooper), uma adolescente que descobre que os mendigos e drogados de seu bairro estão sendo transformados em vampiros. Quando sua mãe, também dependente química, se torna uma, ela se junta com seus amigos para tentar cortar o mal pela raiz.
Uma das coisas que me chamaram atenção é a maneira que o filme utiliza seu cenário principal — Nova Orleans — através de uma visão menos estereotipada que outros exemplares dirigidos por brancos costumam utilizar. Ainda assim, Black as Night incorpora os contextos sociopolíticos da cidade ao mostrar como os resíduos traumáticos do Furacão Katrina e o descaso criminoso do governo apenas contribuiu para a marginalização de mais comunidades negras de baixa-renda.
Também chama atenção a positiva representação de Shawna e seus problemas de autoestima devido ao tom escuro de sua pele, levantando questões como colorismo, e como o filme trabalha sua jornada de autodescoberta e empoderamento. Por exemplo, há uma didática mas bacana cena onde um vampiro ancestral revela que vampiros com mais melanina criam resistência ao sol e podem sair pelo dia.
O filme em si não está isento de problemas. Aqui repete-se a sensação de suas claras limitações e assim como Bingo Macabro, Negra Como a Noite poderia ser mais. No entanto, tem personalidade e carisma o suficiente pra servir como um divertido programa de fim de noite, com personagens carismáticos (ainda que uma decisão do roteiro no fim tenha me soado diretamente homofóbica) e uma pontinha do veterano Keith David no papel do vilão principal. E como disse em certo momento, a protagonista reconhece: "Eu não sou a Buffy". Talvez, nem precise ser.
Welcome to the Blumhouse retorna na próxima sexta (8) com seus dois filmes restantes, The Manor de Axelle Carolyn e Madres de Ryan Zaragoza. Enquanto isso, confira O Bingo Macabro e Negra Como a Noite (além dos filmes do ano passado), já disponíveis na Prime Video.
BINGO HELL
EUA | 2021 | 85 minutos
Direção: Gigi Saul Guerrero
Roteiro: Shane McKenzie, Gigi Saul Guerrero & Perry Blackshear
BLACK AS NIGHT
EUA | 2021 | 87 minutos
Direção: Maritte Lee Go
Roteiro: Sherman Payne
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