[Crítica] Ninguém Sai Vivo: Horror e imigração
O terror sempre foi usado para expiar dores, dilemas e medos das nossas realidades. Seja explicita ou implicitamente, de maneira divertida ou mais cerebral, o terror é político e são nesses casos que ele se torna mais assustador do que nunca. Ultimamente, filmes como Culture Shock, His House e até mesmo alguns da franquia Uma Noite de Crime, vêm comentando sobre as processos opressivos da imigração em suas narrativas, onde buscar refúgio pode ser uma experiência tão ou até mais amedrontadora do que fugir do lugar que te ameaça.
Usando como base o livro homônimo de Adam Nevill (autor do livro que inspirou O Ritual), o novo terror da Netflix Ninguém Sai Vivo adapta o enredo de casa mal-assombrada para um contexto sociopolítico bem diferente do original. Logo, a adaptação ganha novas nuances ao posicionar a protagonista como uma imigrante ilegal do México nos Estados Unidos. Após o falecimento da mãe, Ambar (interpretada por uma empenhada Christina Rodlo) resolve recomeçar sua vida do zero, arrumando um emprego que ignora sua situação e alugando um quarto barato em uma pensão que só aceita mulheres, sob a gerência do intimidador Red (Marc Menchaca). À medida que as noites se passam, a jovem percebe que há algo de muito errado no lugar e talvez seja tarde demais para escapar com vida.
Fantasmas saídos de um filme do Mike Flanagan marcam a primeira metade da história, que opera num ritmo slow burn à medida que estabelece a realidade de Ambar como uma imigrante não-documentada. Quando introduzidos, os elementos sobrenaturais não são um destaque, principalmente ao reconhecermos a postura cansada desse subgênero atualmente. Pegadas isoladas, sombras desfocadas no fundo e alguns jumpscares falham em empolgar. Curiosamente, é nas dificuldades do dia-a-dia e as teias burocráticas que a protagonista se enrola que o roteiro consegue construir um ponto de tensão bem mais instigante.
Indo bem além de Ambar, o roteiro introduz outras breves hóspedes da pensão, também mulheres mas não necessariamente do México. Creio que seja o trabalho mais interessante do roteiro ampliar essa ótica que expõe as vulnerabilidades dessas mulheres em busca do "sonho americano", as sujeitando à empregos exploradores e situações indelicadas e perigosas pelo medo de serem deportadas (o filme constantemente expõe reportagens televisivas sobre prisões de imigrantes).
Existe alguns paralelos — ou talvez influências — com o já citado terror da Netflix O Que Ficou Para Trás (His House), um excelente conto sobre os terrores de refugiados. Assim como ele, existe uma opressão sistemática que vêm além do lado sobrenatural da história, fazendo com que seus personagens fiquem entre a cruz e a espada. Mas ao contrário dele, Ninguém Sai Vivo tem dificuldades em conciliar as duas personalidades da trama de maneira criativa... pelo menos nessa primeira hora.
Quando o terceiro ato chega, elevando os riscos e trazendo elementos mais ousados, é uma surpresa pois se difere bastante do tom usado até então. Subversão? Talvez. A questão é que, sem dúvidas, essa é a melhor porção do filme, brincando com o fio narrativo e apresentando a entidade por trás dos eventos que ocorrem no edifício (algo que poderia ter saído da mente do Del Toro) até terminar numa ambígua — mas ressonante — cena final.
A curta duração de Ninguém Sai Vivo — que nem sequer bate os 90 minutos — funciona tão contra quanto a favor dele mesmo. O roteiro tem coisas a dizer, e ainda que poderia ser mais polido em certos pontos, consegue passar a mensagem adiante e funciona por saber ir direto ao ponto, principalmente na segunda metade, onde entrega uma boa dose terror amarrada num final satisfatório que eleva a experiência o suficiente pra não deixar um gosto amargo na boca.
NO ONE GETS OUT ALIVE
Reino Unido | 2021 | 85 minutos
Direção: Santiago Menghini
Roteiro: Jon Croker & Fernanda Coppel
Elenco: Cristina Rodlo, Marc Menchaca, Victoria Alcock
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