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  • Foto do escritorYuri Cesar Lima Correa

[Entrevista] Anthony Scott Burns, diretor de Não Feche os Olhos (Come True, 2020)

Atualizado: 17 de mai. de 2021


Ele se considera um artista de berço, não fez faculdade de Cinema, tem Síndrome de Asperger, um cachorro chamado Agent Cooper e diz que Sleepaway Camp (1983) é uma inspiração. Ele é o canadense Anthony Scott Burns, diretor, roteirista, fotógrafo e compositor do filme Come True (2020), terror com pitadas de ficção-científica que gerou uma enxurrada de vídeos de análise e teorias no YouTube. Conversamos com o Anthony agora que o filme dele chegou aqui no Brasil, com o título Não Feche os Olhos — e, óbvio, nosso papo foi muito divertido e acabou chegando nas interpretações da sua obra. Confira:



Esqueletos: “Anthony, antes de tudo, quero saber mais de você.”

Anthony: “Ah, não!”

Esqueletos: “Ah, sim, queremos saber mais sobre o cara que fez Não Feche os Olhos.”

Anthony: “Ok, eu não fui à faculdade de Cinema, eu não tinha dinheiro pra ir, mas eu sempre fui um artista, sempre me interessei por criar coisas desde que era, sabe, um bebê. Meu pai diz que eu pintava as paredes com o meu cocô [risos]. Me apaixonei por filmes desde muito novo e, sabe, minha mãe faleceu quando eu tinha só oito anos, e uma coisa que fazíamos muito era assistir filmes juntos (...) Já meu pai era militar, e ele acabou trabalhando na produção de filmes como consultor, ele trabalhou, por exemplo, no Rambo (1982), então eu cresci em sets de filmagem e querendo fazer filmes, mas eu fui jovem nos anos 1990, e nessa época era difícil conseguir bons equipamentos caseiros de filmagem (…) era difícil fazer filmes.”


Anthony conta que, mesmo assim, nunca parou de querer fazer Cinema, mas acabou indo por outro caminho. Foi trabalhar com televisão e comerciais, ficou um período na MTV editando o que ele mesmo chamou de “aquelas animações esquisitas” do canal. Ali ele aprendeu a mexer com efeitos visuais mais complexos, ganhou experiência na área e, finalmente, em 2011 resolveu mudar tudo na sua vida. Foi nesse ano que ele disse “nunca mais” pra publicidade e lançou um trailer fanmade de uma continuação falsa de Tron: O Legado (2010) — o troço é quase um curta-metragem, chama-se Tron: Destiny (2011, clique para assistir) e tem realmente uns efeitos de CGI muito bacanas prum filme que é praticamente caseiro. Aí vieram alguns curtas, a oportunidade de participar de uma antologia e seu primeiro longa-metragem, Ecos na Escuridão (2018), sobre o qual ele diz o seguinte:


Anthony: “...coloquei muita paixão como se fosse um projeto do meu coração, embora não fosse baseado num roteiro meu e apesar de ser um filme de estúdio, coisas assim. Me diverti muito fazendo esse filme, mas na sala de montagem, as pessoas decidiram que ele seria outra coisa. E eu sou uma pessoa que, quando estou filmando, já tenho uma ideia muito clara de como o filme vai ficar (...) então não consegui conciliar essas visões e abandonei [Ecos na Escuridão] na pós-produção. Meu nome está lá, mas não é minha versão do filme (...) Eu costumo prestar mais atenção nos personagens do que na trama, o que é algo que as pessoas ou amam ou odeiam no Não Feche os Olhos.”



Nesse momento nossa conversa é interrompida, mas por um bom motivo: o cachorro do nosso entrevistado está indeciso se fica dentro ou fora de casa, e Anthony precisa estar de prontidão para abrir a porta pro bichinho. Pergunto qual o nome do pet e ele responde: “Cooper, Agent Cooper”, em homenagem ao protagonista de Twin Peaks (1990) — Segundo Anthony, seu Agent Cooper também é apaixonado por torta e café.


Seguindo nosso papo, entramos no assunto que motivou a entrevista: Não Feche os Olhos. E só para contextualizar, a sinopse do filme é a seguinte: Sarah Dunne está com problemas em casa e tem dormido numa praça. Nos seus sonhos, a imagem desliza sempre para frente, atravessando cenários monocromáticos até chegar num vulto sem rosto. Acordada, ela segue sua rotina sem saber onde vai passar a próxima noite, até que fica sabendo de um grupo de cientistas trabalhando num estudo do sono e procurando por voluntários que serão analisados enquanto dormem. Juntando o útil ao agradável, Sarah se dispõe a participar do experimento e… Bom, é aí que as coisas ficam esquisitas.


Esqueletos: “De onde veio a ideia para o filme?”

Anthony: “A ideia veio de um estudo de Berkeley que tentava traduzir as imagens formadas pelas ondas cerebrais (...) quando eu vi aquilo, pensei: se dá pra transformar ondas cerebrais em imagens, então deve dar pra pegar as imagens dos sonhos, o que [os cientistas] não conseguiram ainda, mas eu acredito que ainda vai acontecer enquanto eu estiver vivo. (...) Aí juntei isso com um problema que eu tinha quando era criança, eu tinha paralisia do sono, não sabia que tinha na época, mas fiquei sabendo depois, e aí saiu o documentário The Nightmare (2015), então eu pensei: e se pudéssemos assistir aos sonhos? E se, indo mais adiante, começássemos a perceber que todos vemos a mesma coisa quando vamos dormir? E aí eu quis juntar isso com a ideia de que poderíamos todos estar vivendo na mesma simulação, criando uma espécie de ciclo [de sonhos dentro de sonhos] como no Alice no País das Maravilhas (1951), uma das minhas animações favoritas, na qual o fim é o começo, e tudo seria um sonho no qual estamos vivendo nesse momento. Mas acima de tudo, eu queria fazer um filme que passasse a sensação de se estar num sonho (...)”

Esqueletos: “Seguindo nisso, eu quero falar sobre os sonhos, porque adorei todo o conceito por trás deles, e quando eu vejo muito CGI num filme de horror, isso normalmente me tira do filme…”

Anthony (rindo): “Eu te entendo.”

Esqueletos: “...mas aqui, o CGI ajuda nessa sensação de que estamos adentrando um reino das coisas imateriais. Queria saber se essa foi a sua intenção e como vocês chegaram nesse conceito visual dos sonhos.”

Anthony: “De saída eu sabia que se eu filmasse os sonhos [em live action], eles não teriam a estranheza, aquele sentimento de que algo está errado que nós temos nos sonhos. Então o CGI é praticamente o único modo de fazer isso de forma eficiente. É a maneira que você pode colocar o olhar do espectador exatamente onde precisa estar, muito mais parecido com o foco limitado que pelo menos eu tenho nos meus sonhos. Também o formato e a escala das coisas é sempre errada nos sonhos, e eu sabia que não tínhamos como fazer isso se não fosse com CGI, porque os custos seriam astronômicos e nós não tínhamos o orçamento pra isso. (...) Então eu chamei artistas pra me ajudar a conceber esses sonhos, e nós sentamos com uma lista mestra de temas para cada um deles e começamos a criá-los a partir desses temas, usando também elementos dos nossos próprios sonhos e pesadelos, coisas que representassem o que a personagem [Sarah] está passando. Vou te dar um exemplo: aquele em que a gente atravessa um corredor com as pessoas com cabeças enfiadas nas paredes. Aquilo pra mim é como o cérebro percebe a escola, os alunos com as cabeças enfiadas nos armários. Então queríamos criar coisas que fossem assustadoras, mas ao mesmo tempo muito bonitas.”



Conto ao Anthony que aqui no Brasil a maior parte das escolas não tem armários como esses que mostram nos filmes dos EUA/Canadá. Ele fica bastante surpreso e conversamos um pouco sobre diferentes perspectivas de ensino e um pouquinho mais sobre o Agent Cooper. Então pergunto a ele:


Esqueletos: “O filme não conta muito sobre a Sarah, mas nos deixa curiosos sobre sua situação — especialmente em relação à mãe dela. Por que era importante pra você construir a Sarah desta maneira?”

Anthony: “Talvez isso tenha a ver com a minha Síndrome de Asperger, eu tendo a enxergar as pessoas com mais profundidade do que eu vejo em alguns personagens por aí. E eu acho que dá pra contar histórias sem esfregar os detalhes na cara das pessoas. Então, imagine se eu contasse exatamente o que está acontecendo com a Sarah desde o início, a trama ficaria ratificada para o espectador, mas o temor não seria o mesmo que ela sente. Então quando você deixa algumas coisas de fora, você fica mais junto do personagem, do que espiando o personagem. Eu, pessoalmente, prefiro estar sempre junto do personagem e ficar no escuro quando eles estão. Eu quero que as pessoas sintam a confusão que ela está sentindo sobre a sua própria vida. E no momento que eu explicasse tudo que está acontecendo, a gente ficaria só com a fofoca da vida dela. Não me parece muito respeitoso, mas é assim que muitos roteiros são escritos em nome da clareza, mas pra mim é como ficar de fora e assistir a vida de alguém, é mais parecido com um reality show do que com uma experiência.”

Esqueletos: “E o que você me diz sobre os pôsteres de filmes dos anos 1980 que aparecem nos seus filmes?”

Anthony: “Eu venho de um tempo quando filmes eram o maior entretenimento do planeta, não tinha nada mais empolgante para uma criança, e há uma geração inteira de gente como eu. E, exponencialmente, temos visto isso desaparecer. Eu queria fazer só um filme antes de tudo ir pro espaço, sabe-se lá o que vai acontecer nos próximos vinte anos. (...) Esses detalhes, pro filme, são para estabelecer que tem algo errado, mas tematicamente é como nos sonhos que você vê alguma coisa que informa o caminho que ele tá tomando, e eu adoro Um Morto Muito Louco (1989), aqui foi um fenômeno. Só que é um filme sobre um cara usado de marionete para os propósitos de outras pessoas, e isso conversa com o tema do nosso filme. Então eu coloquei isso lá pra que as pessoas soubessem que este é um filme feito de outros filmes que eu amo, e por isso Não Feche os Olhos é cheio de arquétipos dos anos 1980 [se referindo aos cientistas]. (...) Nós aprendemos muito sobre comportamento assistindo filmes, mas quando eu cresci e fui percebendo que as pessoas não eram exatamente como eles mostram, aquilo me deixou muito confuso e ansioso, então eu queria me ensinar a diferenciar isso nos filmes, enquanto faço eles [risos].”

Esqueletos: “Mas os filmes podem ser uma forma de se alfabetizar para o mundo.”

Anthony: “Ah sim, quando é feito da forma certa, totalmente. Se você se conecta com uma obra de arte, ela não te deixa sentir sozinho, ela faz você perceber que não é o único que se sente daquela maneira, e é isso que eu acho importante nos filmes.”

Esqueletos: “É como se o filme fosse um amigo.”

Anthony: “Totalmente! Honestamente, há filmes que eu considero como amigos, é bizarro!”

Esqueletos: “Não é não! Filmes são como pessoas, tem começo, meio e fim, alguns são divertidos, outros te assustam…”

Anthony: “Eles te influenciam, te deixam animado, te inspiram.”


Nessa altura, eu queria saber sobre a atmosfera de Não Feche os Olhos, e porque ele decidiu provocar medo através dela e não dos sustos. Anthony responde que é algo natural no seu processo de criação. Há coisas que o deixam arrepiado, então ele as coloca na tela. Mas aí ele se lembra de um referência:


Anthony: “...Tem uma coisa que eu aprendi de um filme chamado Sleepaway Camp (1983), que é o corte. Porque às vezes a reação dos personagens é muito longa nesse filme, e eu acho até que foi acidental, mas por causa disso, você fica ali vendo um personagem realmente assustado com alguma coisa, então acontece uma resposta muito humana a essa imagem. Quando encaramos alguém que está olhando quase que diretamente para nós de maneira horrorizada, nossa empatia desperta. Você pode não saber o que é tão assustador assim, mas essa é a reação quando você vê alguém desse jeito. É a diferença entre ver um rosto apavorado e ver o monstro, o primeiro tende a te deixar bem mais assustado. E isso foi algo que eu aprendi de Sleepaway Camp com aquelas reações longas que, eu presumo, não tenham sido intencionais, mas que começam a ficar muito dramáticas. Te deixa desconfortável.”



Com isso, me encaminho para o fim da nossa entrevista e pergunto quais os próximos projetos do Anthony. Ele conta que está nos planos uma produção grande sobre a qual não pode falar ainda. Misterioso o moço. Mas ele deixa escapar que sua ideia é sempre intercalar um filme mais autoral com outro de estúdio, se puder. Seu desejo é trabalhar com remakes porque, segundo ele, com a debandada do cinema para as mídias digitais, ficou difícil convencer o estúdio a comprar uma ideia maluca e original, e que grande parte do investimento pesado está nas sequências, remakes e reboots. Anthony, inclusive, elogia o Brasil por ter tantos artistas fazendo filmes com ideias frescas — ele até chegou a trabalhar com um amigo brasileiro chamado Marcus Alqueres no curta-metragem The Flying Man (2013, clique para assistir). Então, para terminar, pergunto:


Esqueletos: “Você assiste e conhece filmes brasileiros?”

Anthony: “Longas eu conheço os famosos, como Cidade de Deus (2002) e os do José Padilha, inclusive, Padilha fez um dos remakes que eu adoraria ter feito do meu jeito.”

Esqueletos: “Ah sim, ele reclama muito da produção desse filme, aliás [Robocop, 2014].”

Anthony: “Eu aposto que sim. Mas eu assisti muitos curtas brasileiros e eu sempre fico impressionado, porque às vezes são projetos com pouco ou nenhum orçamento e que conseguem fazer coisas incríveis. Eu quero assistir outros, mas eu vou ficar deprimido porque eles provavelmente vão ser muito bons [diz ele, brincando].”


Nos despedimos e dou um tchauzinho pro Agent Cooper também. Essa foi a nossa conversa com o diretor Anthony Scott Burns, curtiu? Então se liga também na nossa crítica do filme Não Feche os Olhos — não tem spoilers, mas tem teorias sobre o final. Óbvio que tem, achou que ficaríamos de fora? Sonhou, né.

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