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Rocky Horror Brasil! Uma breve história das montagens brasileiras

  • Foto do escritor: João Neto
    João Neto
  • há 24 minutos
  • 6 min de leitura

Science fiction... que loucura!


No ano que marca o cinquentenário de uma das pedras basilares da cultura pop LGBTQ+ moderna, Rocky Horror Picture Show prepara-se para um relançamento especial nos cinemas. Mas ao contrário de outros clássicos, a presença do musical é sentida anualmente, tamanho o impacto de seu legado. Não apenas na tela prateada, mas nos palcos, o primeiro local onde Dr. Frank n' Furter, Janet, Brad e companhia se manifestaram.


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Antes do filme, The Rocky Horror Show foi uma peça experimental escrita por Richard O’Brien, um ator frustrado que decidiu transformar seu ócio em criação despretensiosa. Estreando nos teatros londrinos em 1973, a opera rock homenageia em tom paródico os filmes B de terror e ficção científica dos anos 40-50, referenciando de Frankenstein à Drácula à tramas de invasão alienígena que tanto marcaram o cinema de gênero naquelas décadas. Um casal careta heteronormativo, Janet e Brad, buscam a aprovação de seu noivado pelo professor que os apresentou na faculdade. A caminho, o carro dá problema e eles são obrigados a buscar ajuda num castelo próximo, onde esbarram com uma gama de personagens peculiares e devassos, sob a liderança do Dr. Frank n' Furter, um travesti transexual da Transilvânia com planos de construir o homem perfeito para si!


O musical logo ganhou fama e tração por sua natureza camp e escandalosa, juntamente com a energia efervescente do seu elenco original, formado por Tim Curry, Patricia Quinn, Nell Campbell e o próprio O’Brien - que reprisaram seus papéis na adaptação cinematográfica. O sucesso fez com que a peça arrumasse as malas rumo aos Estados Unidos, numa temporada inicial em Los Angeles que foi um sucesso estrondoso de público. Meat Loaf, na época um artista musical iniciante nos palcos, tendo estrelado em produções de Hair, relembra ter conhecido Elvis Presley nos bastidores de uma das apresentações. Loaf, claro, interpretou o motoqueiro Eddie em Los Angeles e posteriormente no filme, e o personagem era uma clara referência ao Rei do Rock.


"Mande abraços à Broadway e diga que estamos chegando! - Rocky"
"Mande abraços à Broadway e diga que estamos chegando! - Rocky"

A estadia em Los Angeles facilitou um acordo com a 20th Century Fox Film, que deu sinal verde em levar Rocky Horror aos cinemas. Paralelamente, o produtor Lou Adler prepara a transição da peça para a Broadway, Nova York, o maior polo de teatro musical do planeta, em uma jogada que coincidisse com o lançamento do filme. O tiro saiu pela culatra e o espetáculo, assim como o filme na época, fracassou. Foi só no ano seguinte que, com o auxílio de cinemas underground exibindo o longa em sessões de meia-noite, pareando com outros filmes de terror de baixo orçamento, que uma nova tradição nasceu e o resto é história.


Eduardo Conde como Dr. Frank N' Furter.
Eduardo Conde como Dr. Frank N' Furter.

Onde o Brasil se encaixa nisso? Então, ali no mesmo ano, em 1975, já tínhamos também a primeira adaptação brasileira, intitulada Rock Horror Show (sem o "y"). Em fevereiro, meses antes da estreia do filme em agosto, o Teatro da Praia no Rio de Janeiro, abria as portas para o espetáculo. O principal desafio de tal tarefa era adaptar para o nosso público as referências de cinema B de terror/sci-fi norteamericano, que não eram tão presentes no nosso imaginário popular. Desta maneira, menções à Fay Wray em "Rose Tints My World" foram trocadas por Carmen Miranda e o coro de apoio, nomeados originalmente de "Phantoms", foram substituídos por um lobisomem, uma bruxa e um fantasma. Guilherme Araujo, produtor desta montagem, pediu para que o baiano Edy Star, segundo intérprete do Frank N' Furter e uma figura peculiar por si só, transformasse a peça numa chanchada.


Eu vi a obra em Londres, o povo adorava... Ria, participava... Aqui, não acontece nada... Ninguém ri, ficam com cara de idiotas.

Capa completa da gravação oficial da peça, com o elenco da montagem de SP.
Capa completa da gravação oficial da peça, com o elenco da montagem de SP.

As canções de O'Brien foram adaptadas por Jorge Mautner (sim, o pai da Amora Mautner), Kao Rossman e Zé Rodrix. Este último, então um nome de destaque na MPB e rock brasileiro, também encarnou o papel duplo de Eddie/Dr. Scott. Eduardo Conde foi o primeiro Dr. Frank brasileiro, mas precisou sair da peça por questões de saúde, sendo substituído por Edy Star. O restante do elenco era formado por Wolf Maia como Brad, Tom Zé como Riff Raff, Vera Setta (a mãe da Morena Baccarin) como Magenta) e Lucélia Santos, antes da sua fama como Escrava Isaura, interpretando a "Balista" (Usherette) que encanta e introduz a plateia àquela insanidade através dos versos de "Science Fiction".


Embora criticada pela falta de fidelidade e cortes significativos nas músicas, a montagem foi um sucesso de público, o que pode ser atribuído à irreverência subversiva da peça em tempos repressivos da ditadura. Após três meses em cartaz no Rio, fechou, mas reabriu no mesmo ano em São Paulo, com um elenco diferente que gravou um LP obscuro pela Som Livre, ressaltando nos arranjos uma musicalidade tropicalista característica da época. Ausentes do disco estão "Time Warp" e "Sweet Transvestite", mas presente está "É Só Me Chamar, Tudo Bem", adaptação de "Once in a While" - música cortada do filme onde Brad explana seus sentimentos após transar com Frank. Curiosamente, esta segue sendo a única montagem brasileira a ter uma gravação lançada oficialmente.


Elenco carioca de "Rock Horror Show", 1975.
Elenco carioca de "Rock Horror Show", 1975.

Um breve interlúdio:


É de se surpreender que Miguel Falabella nunca tenha dirigido uma montagem profissional de Rocky Horror, dado o seu histórico e afinidade com o teatro musical e suas adaptações feitas sob medida para suas musas: Claudia Raia de Cabaret, Marilia Pêra em Hello Dolly! e Edson Celulari em Hairspray. Mas não se engane, ele já pôs seus dedos no material. Em 1982, dirigiu uma peça escolar no Colégio Andrews, no Rio de Janeiro, onde dava aulas de teatro. Entre as alunas? Ninguém menos que Marisa Monte (à esq.), que também contracenou com Marcos Frota e teve um relacionamento secreto após se conhecerem nos bastidores.


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Corta pra 1994: Jorge Fernando (tinha que ser ele) revive Rocky e toda sua trupe numa nova montagem, dessa vez mais fiel ao material original e com a adição de sessões especiais à meia-noite nas sextas, onde o público ia até o teatro fantasiado dos seus personagens favoritos! Fernando disse que o convite surgiu quando dirigia a icônica novela Vamp, em 1991, um material que, segundo ele, "também mexia com códigos de terror e gibi". O folhetim gótico das 19h era estrelado por Claudia Ohana que vivia Natasha, uma rockeira que vendeu sua alma à um conde vampiro em troca de sucesso. Portanto, fazia muito sentido que a parceria se repetisse nos palcos, onde Ohana fez sua estreia como Janet. Leo Jaime (Eddie/Dr. Scott) encabeçou a banda Criaturas da Noite, performando a trilha junto do restante do elenco, que também contava com: Tuca Andrada de Frank N' Furter, Marcello Novaes como Rocky e Carla Daniel de Magenta!



Os palcos brasileiros passariam mais duas décadas sem uma montagem profissional de Rocky Horror, até que em 2016, os produtores Charles Möeller & Claudio Botelho adicionaram o espetáculo ao seu catálogo de sucessos. A dupla é responsável por trazer outros musicais históricos da Broadway para cá, entre eles, Amor Sublime Amor, A Noviça Rebelde, Gypsy, Nine e O Despertar da Primavera.


“O espetáculo é quase um precursor da ideia da novela ‘Dancing Days’ (1978): ‘Caia na gandaia, entre nessa festa‘, comenta Charles Möeller. “É como diz uma das músicas de ‘Rocky Horror’, que para mim é mote da peça, ‘não sonhe, seja‘.”

Marcelo Médici tirou o espartilho do armário e viveu o antológico Frank N' Furter, citando na época o quão libertador era fazer tal papel/musical: "É o momento certo para fazermos essa peça. Estamos vivendo um retrocesso grande e isso é histórico." 2016! Bruna Guerin interpretou Janet, Felipe de Carolis fez o Brad, enquanto Gottsha virou Magenta e Thiago Machado o Riff Raff.




Embora ausente de sessões da meia-noite, a montagem recebia fãs fantasiados que eram convidados ao palco, no fim da peça, para dançar "Time Warp" com o elenco numa performance reprise. A montagem ficou em cartaz em SP até março de 2017.


Muito embora não tenhamos tido mais nenhuma montagem profissional de Rocky Horror desde então, a tradição underground continua viva por meio de montagens amadoras, workshops e exibições informais interativas, acompanhadas por shadowcasts que dublam e interpretam as falas diante da tela — sim, como visto em As Vantagens de Ser Invisível (2012). Mesmo após cinquenta anos, o texto e as canções de Richard O’Brien continuam sendo motivo de celebração, identidade e subversão, eternizados para sempre nos corações (e nas bocas) que entoarem suas melodias!

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