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  • Foto do escritorGustavo Fiaux

[Crítica] American Horror Story: Red Tide poderia ser perfeita, mas morre na praia

Atualizado: 3 de out. de 2021

“Dê a eles um grande final / E eles vão se esquecer do que veio antes / Apenas dê a eles um grande final / Mas sempre fique de olho na porta / …Vamos dar a eles um grande final / E deixá-los querendo mais!”


Com essa música, a série musical Smash se despediu de seu público em sua segunda temporada. Aqui, temos um metacomentário bem inteligente a respeito de como a série começou bem, desandou igual um trem descarrilhado e conseguiu, em sua reta final, dar uma virada e se manter na memória da meia dúzia de fãs que teve ao longo dos anos.


E é exatamente essa lição que Ryan Murphy poderia tirar para suas produções televisivas, sobretudo American Horror Story. Em 2021, após um período marcado pela pandemia e amaldiçoado pela primeira temporada da terrível American Horror Stories, tivemos a estreia de Double Feature, a décima temporada da série de horror que começou boa, desandou e hoje vive à base de flutuações de humor.


A ideia era ousada: uma temporada dividida em duas partes, com histórias independentes que se conectam entre si. E depois de dez anos exaustivos esperando sempre pelo pior, tivemos um começo pra lá de surpreendente com Red Tide, a primeira parte desse décimo ano duplo.




Deixando de lado seu humor mais pastelão e aderindo a um firme desenvolvimento de personagens, aqui temos uma história que parece saída de qualquer livro grandioso de Stephen King: um roteirista se muda com sua família para a distante cidade de Provincetown, no Massachusetts - um lugar pacato e agradável, apesar de frio.


À beira da praia, Harry Gardner (Finn Wittrock) procura uma forma de desenvolver melhor sua escrita, tentando sair de um fustigante bloqueio criativo. A esposa de Harry, Doris (Lily Rabe), é uma decoradora de interiores que está tentando fazer as pazes com sua própria profissão, e a filha do casal, Alma (Ryan Kiera Armstrong), é um prodígio do violino, que nunca se cansa nos treinos.


Só aqui, temos um núcleo de peso que traz o que há de melhor em American Horror Story - atores formidáveis que estão sempre se provando em papéis diferentes. Wittrock abraça de vez sua melhor interpretação na série, enquanto passa por todas as fases - de artista decadente a estrela em ascensão meteórica.


Já Rabe retorna para fazer o que faz de melhor: sofrer. A atriz se entrega de vez a um dos papéis mais complexos saídos da cabeça perturbada de Ryan Murphy e consegue dar várias facetas de uma personagem que é colocada entre a cruz e a espada, constantemente. Sua atuação no quinto episódio - o melhor da temporada até agora - é de cair o queixo e fazer com que a gente se pergunte porque ela nunca foi protagonista plena.


A salvação de Harry vem às custas de algo novo e perigoso: um medicamento experimental desenvolvido pela misteriosa Química (Angelica Ross). Com promessas milagrosas, a droga é capaz de liberar todo o seu potencial criativo - mas com um custo terrível: uma sede implacável de sangue.



Se muitos acreditavam que a série mergulharia nas águas para apresentar sereias, graças aos pôsteres e trailers, aqui temos a primeira reviravolta desse surto: trata-se de vampiros, em uma mitologia nova e muito bem desenvolvida. Quem tem talento artístico retém a humanidade e só precisa beber sangue de vez em quando. Quem não tem vira um monstro descerebrado que parece o cruzamento entre o Nosferatu e os monstros do clipe de Thriller.


E é através dessa premissa que vamos conhecendo um pouco dos habitantes da cidade de Provincetown - os vampiros já convertidos Belle Noir (Frances Conroy) e Austin Sommers (Evan Peters), bem como Karen Tuberculosa (Sarah Paulson) e Mickey (Macaulay Culkin) - duas figuras cheias de sonhos e ideais, mas que nunca tiveram a oportunidade de concretizá-los.


Fechando esse elenco, ainda temos Ursula Caan (Leslie Grossman), a agente de Harry que, após uma breve visita na cidade, decide montar um novo negócio usando as drogas experimentais. Ah, e também tem a maravilhosa Billie Lourd interpretando um enfeite de cena, já que sua personagem só serve para dar uma justificativa desnecessária ao visual dos vampiros.



É um elenco grande, sem dúvidas, mas o que Red Tide faz de melhor é desenvolver cada um desses personagens dando a eles o tempo e o destaque necessários para que eles sejam mais do que as caricaturas que estamos acostumados a ver em AHS. E até certo ponto, isso funciona de uma maneira belíssima.


O quarto episódio serve como um grande flashback para contar mais da história da Química, de Belle Noir e Austin Sommers - e o resultado é impagável. Além de termos Evan Peters de drag queen e uma participação especial de Eureka!, de RuPaul’s Drag Race, o que vemos aqui é uma grande exploração de como a pílula mudou a vida dessas figuras.


Já o quinto, disparado um dos episódios mais bem produzidos da história da série, faz o mesmo pelos personagens do presente, mostrando como a pílula mudou a dinâmica da vida de Harry e sua família, tudo sob o ponto de vista alarmante de Doris, que precisa se desvencilhar de seu marido e sua filha, duas pessoas que ela amava e não reconhece mais.



Esse episódio é tocante de maneiras bem especiais. Não só a direção de John J. Gray se destaca como um ponto altíssimo, mas a forma como temos um grande desenvolvimento de Mickey e Karen é de levar lágrimas aos olhos, especialmente naquela cena da praia, que fecha o ciclo desses personagens de um modo tão tocante e trágico.


Tudo isso tornava Red Tide uma das produções mais emblemáticas de American Horror Story, deixando os fãs sedentos por mais. Mas aí veio o sexto episódio...


Veja bem, quem é fã mesmo de AHS e já passou por todas as fases de Síndrome de Estocolmo com o trabalho de Ryan Murphy já está acostumado: o homem não sabe escrever finais. Quando temos uma boa temporada, o último episódio geralmente serve como um epílogo para a história que já havia se encerrado no capítulo anterior.


Duvida disso? Lembre-se de Murder House, Asylum e Roanoke.


Já os finais desastrosos e ruins da série - alô Apocalypse - derivam do fato de que ainda há muita história a ser contada mas tudo isso precisava acabar de algum jeito. E é o que acontece aqui. Na metade do episódio, já estamos fora de Provincetown e a caminho de Los Angeles com os personagens mais improváveis, enquanto o resto já foi ceifado sem nenhum peso narrativo.



Lembra da regrinha de Smash, sobre terminar com um grande final? Ryan Murphy parece incapaz de fazer isso - e mesmo que ainda tenhamos alguma conexão franca na segunda parte da temporada, Death Valley, a impressão que fica é que todos esses personagens foram desenvolvidos à toa, já que eles seriam tão descartáveis assim.


Ainda não dá para saber muito bem se esse de fato é o caso, ainda mais levando em conta o que nos aguarda nessa segunda parte, mas a verdade é que Red Tide é o tipo de história que se beneficiaria de uma temporada mais longa, para desenvolver um pouco melhor o encerramento - mesmo que fosse seguir exatamente o que foi retratado no sexto episódio.


Dito isso, se você consegue relevar um final meia bomba, essa temporada “10.1” de AHS é ainda uma das melhores coisas que a série já nos entregou - é sombria, carismática, divertida e cheia de personagens marcantes, tudo sem pender para a caricatura - ao mesmo tempo em que traz a beleza cruel e agridoce dos primeiros anos da série, sem poupar os favoritos. A minha recomendação final é: se ainda não assistiu o último episódio dessa parte, pule e decida seu próprio final. Te garanto que vai ser melhor. E se já assistiu, não faz mal: basta lembrar que poderia ser pior (tipo o final de Apocalypse).

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