[Sundance] Em birth/rebirth, a maternidade é um monstro por si só
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Por séculos desde sua publicação, "Frankenstein, ou o prometeu moderno" é usado como catalisador para discussões sobre vida e morte, natureza, ambição, complexo de Deus, reinvenção e monstruosidade. Ao escrevê-lo, Mary Shelley não deu luz apenas à um gênero novo, mas proveu as ferramentas para que outros escritores e artistas pudessem utilizar do fantástico para explorar as complexidades da natureza humana através dos temas mais diversos. birth/rebirth, trabalho de estreia da cineasta Laura Moss, é só mais um dentre um longo histórico de outras adaptações contemporâneas inspiradas no conto de Shelley, mas com identidade e autonomia o suficiente para se destacar.
O filme acompanha duas personagens. A enfermeira obstetra Celie (Judy Reyes), uma mãe solteira que malabariza seu trabalho com os cuidados da filha de 6 anos, Lila. No mesmo hospital, também trabalha Rose (Marin Ireland), uma fria e isolada patologista com uma agenda própria em suas ações. Os caminhos dessas duas mulheres irão se cruzar da maneira mais macabra possível, as colocando em uma trama que testará seus limites éticos, profissionais e humanos, quando decidem brincar de Deus.
Se ao tentar criar vida sozinho, Victor Frankenstein violava todas as ordens da natureza e ela, por si só se voltava contra ele (a alquimia perfeita para uma das histórias mais queer de todos os tempos), birth/rebirth coloca essas duas personagens nos sapatos dessa figura, abraçando todas as implicações intrínsecas à essa mudança e ativamente discutindo-as
dentro do filme. Logo, essa releitura mantém a lógica queer da narrativa (agora duas mulheres tentando criar vida sozinhas, uma delas usando seu próprio corpo), mas dando um novo propósito à essas dinâmicas contextualizando com discussões contemporâneas efervescentes e provocativas, especialmente em relação a maternidade, autonomia do corpo feminino e violência obstétrica.
Com a devida complexidade dada à ambas personagens, o filme se potencializa pelas excelentes performances, antíteses uma da outra, mas complementares. Uma condicionada pela tragédia do destino, outra guiada pela ambição. Essa relação disfuncional à la Re-Animator (1985) traz intensidade, ternura e também um perverso humor seco ao filme - esse último muito devido à natureza complexa de Rose, brilhantemente interpretada pela (subestimadíssima) Marin Ireland. Em um momento de discussão, uma chama a outra de "mad scientist princess bitch" e isso é simplesmente algo que não se encontra sempre.
O que pode desapontar alguns é que o terceiro ato vai para um lado diferente do esperado - o que pra mim é um dos seus maiores êxitos. birth/rebirth evita cair em armadilhas familiares e as lições de moral que costumam acompanhar tramas sobre ressurreições indevidas e foca num desfecho sombrio, simbólico e esperançoso. Construindo um gótico urbano contemporâneo, Laura Moss abraça a monstruosidade da maternidade e dos processos de gerar vida para entregar uma estreia sólida no gênero. Definitivamente um nome para ficar de olho.
birth/rebirth
2023 | EUA | 98 minutos
Direção: Laura Moss
Roteiro: Laura Moss, Brendan J. O'Brien
Elenco: Judy Reyes, Marin Ireland, Breeda Wool
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