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Foto do escritorAlvaro de Souza

[Crítica] Cassandro: Gael Garcia Bernal entre ringues e glitter

Atualizado: 29 de set. de 2023



Acompanhe a cobertura oficial do Esqueletos no Armário no Festival de Sundance 2023.

O acadêmico Richard Dyer descreve camp como uma herança passada entre membros da comunidade gay. O humor e deboche do camp seriam, entre outras coisas, uma forma de esvaziar figuras de seu poder (ele usa como exemplo a masculinidade fascista do John Wayne e a realeza da rainha Elizabeth) e transformá-los apenas em estética, além de também uma forma de autodefesa num mundo tão agressivo para esse grupo. “Todas as imagens e palavras da nossa sociedade expressam e confirmam a naturalidade da heterossexualidade. Camp é a única coisa que expressa o ser gay.


O lutador mexicano Cassandro, o Exótico foi um dos que soube usar esse poder em suas performances. Abertamente gay e atuando em um meio marcado pela masculinidade tradicional, Cassandro alcançou a glória ao abraçar o exagero e a estética marcantes do esporte (as roupas coloridas, a violência exagerada e ensaiada, a mística por trás das máscaras) e incorporou a sua feminilidade e gayzice em um espetáculo que reforçava a artificialidade do espetáculo que acontecia no ringue. O público ria com ele, não dele, e vibrava com o que via. Longe de ser o primeiro lutador a apresentar a feminilidade no ambiente da lucha libre (a categoria de “exóticos”, lutadores que usavam maquiagem e eram afeminados, já existia antes), Cassandro foi quem decidiu que iria desafiar o que se esperava dos exóticos e se tornar um vencedor.


Cassandro, o filme estrelado por Gael Garcia Bernal, ganha varios pontos por fugir do padrão de biografias sobre figuras LGBT ao contar a origem desse ícone. Não vemos Cassandro (cujo verdadeiro nome é Saúl) sofrendo para sair do armário, não vemos ele descobrindo sua sexualidade e nem se assumindo para os seus pais. Em uma das primeiras cenas sua mãe vira para ele e diz “Meu sonho é que você encontre um homem que te faça feliz”, Cassandro é um homem em paz com a sua sexualidade e com forte apoio das pessoas em sua vida (com exceção do seu pai, o responsável pelo plot daddy issues que é o maior ponto fraco do filme).



O filme não busca transformar Cassandro num gay sofredor e dessexualizado para buscar a simpatia de uma plateia heterossexual. Vemos o personagem fazer sexo, frequentar boates e usar drogas sem que isso seja em momento algum usado como uma forma de julga-lo ou transformar sua história num conto moral. O filme o permite se divertir, ser incoerente e o carisma de Gael Garcia Bernal e seu profundo respeito pelo personagem tornam ele uma figura fascinante e deliciosa de acompanhar.


O grande conflito que aflige o protagonista é a busca pela identidade. Filho bastardo de um americano casado com uma mexicana, morador de uma região de fronteira em que o inglês e o espanhol se misturam e onde casas e restaurantes mexicanos tem bandeiras americanas, Cassandro busca conciliar seu eu com um mundo tão masculino quanto o da luta. A resposta que encontra é transformar isso em arma. Transformar os golpes dos adversários em atos sexualizados que fazem a plateia rir, mandar beijo para os torcedores que o chamam de viado, transformar o ringue no seu palco. O diretor capta a forma como esse altar de masculinidade se transforma num show drag quando Cassandro pisa nele, mas senti uma falta de ousadia na forma como as lutas em si são filmadas. Um esporte masculino de contato é um prato cheio para explorar o homoerotismo, coisa que Cassandro fazia, mas o filme parece se conter nesse quesito ainda que capte bem o senso de espetáculo que ele imprimia nos seus atos.


O grande pecado do filme acaba sendo uma certa falta de ousadia. Ainda que seja uma grata surpresa a forma como foge do tradicional das biografias de atletas e das histórias LGBT mainstream que parecem implorar pela aceitação heterossexual, o resultado final ainda parece muito contido e tradicional para uma figura que não é nada disso. É uma narrativa bastante explicativa e agradável que faz bem o trabalho de apresentar Cassandro para o público, mas cadê o brilho e o camp que caracterizam tanto o biografado? Por que gastar tanto tempo numa narrativa de abandono paterno que não interessa a ninguém e que no final das contas só enfraquece o personagem? Por melhor que seja, fica a sensação incômoda que o filme é quadrado demais para uma figura que vemos ser entrevistado no programa do lutador mais famoso do país, el Hijo de Santo, e dizer que suas maiores inspirações e figuras de onde tira sua força são Sor Juana Ines de la Cruz, Madre Teresa, Princesa Diana e sua mãe. Retornando ao que Dyer tem a dizer sobre camp: “Principalmente no passado, o fato de que homens gays conseguiam de forma tão ácida e leve rirem de si mesmos significava que a angustiante vida real pudesse ser deixada de lado- eles precisam não levar as coisas a sério demais, não deixar que elas os botem pra baixo. Camp mantinha, e ainda mantém, muitos gays seguindo em frente.


 

CASSANDRO

2023 | EUA | 109 min

Direção: Roger Ross Williams

Roteiro: Roger Ross Williams, David Teague

Elenco: Gael Garcia Bernal, Perla De La Rosa, Raúl Castillo, Roberta Colindrez, Bad Bunny


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