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  • Foto do escritorJoão Neto

[Crítica] Espiral é mais game over do que futuro para os Jogos Mortais

Quando o então iniciante James Wan exibiu Jogos Mortais pela primeira vez no Festival de Sundance, em Janeiro de 2004, não tinha como ninguém prever o impacto que ele teria na indústria. Arrancando horror e choque da audiência e aclamação da crítica, o longa-metragem seria lançado comercialmente meses depois, se tornando um sucesso de bilheteria internacional. Produzido como filme independente e de orçamento mísero, Jogos Mortais acabou sendo o principal responsável por uma nova década do Horror, uma apaixonada pelos torture porn, convertendo o subgênero num teste de resistência no qual o público pagaria para descobrir se tem o estômago pra tal coisa.


Porém, pra quem acompanhou, foi na verdade curioso assistir à franquia ao longo dos anos 2000 e testemunhar os caminhos que ela tomou. Tendo gerado sete continuações, os filmes Jogos Mortais tornaram-se um evento anual para fãs de Horror, já que todo ano no mês de outubro, éramos agraciados com uma nova sequência mais mirabolante e criativa nas armadilhas. Até que, por fim, os tempos mudaram e o público percebeu já ter aguentado o suficiente, condenando o torture porn ao limbo do: filme chato. Prova disso foi o fracasso de Jigsaw (2017), a última tentativa de ressuscitar a franquia nos cinemas, anos após o capítulo chamado O Final (2010). Bom, pelo menos até agora...



Espiral é a nova investida nesse universo e busca explorar "O Legado de Jogos Mortais", como diz seu subtítulo, revisitando as origens policiais da série, que no filme original era encabeçada pelo plot do Danny Glover. A trama, que serve como espécie de spin-off, traz Chris Rock (sim?) como protagonista, um policial difícil de se trabalhar e que teve a carreira arruinada após denunciar um colega corrupto, transformando-o num traidor aos olhos dos colegas. Agora ele precisa investigar uma onda de assassinatos brutais de policiais, todos cometidos pelo mesmo assassino, que pode ou não ser um herdeiro do Jigsaw, deixando um rastro de armadilhas elaboradas e corpos destroçados.


Curiosamente, Espiral parece ser mais um exemplo recente de comediantes migrando para o horror. Desde que Jordan Peele redirecionou sua carreira para o gênero, com os clássicos instantâneos Corra! (2017) e Nós (2019), podemos observar uma tendência cada vez maior dessa relação. John Krasinski com Um Lugar Silencioso (2018), Danny McBride e David Gordon Green na nova trilogia Halloween, Josh Ruben com Scare Me (2020) e por aí vai. Não surpreende que todos esses outros exemplos trouxeram ótimos resultados, afinal a comédia e o horror não se diferem tanto assim, são dois extremos de uma mesma linha. Infelizmente, Espiral não consegue se encaixar nessa lista de sucessos.



Há sim uma espécie de comédia no filme, mas é involuntária e resulta de um roteiro dolorosamente genérico, que mais se assemelha à paródia de suspenses policiais do que a um suspense policial propriamente dito. Tem lá as frases de efeito, a cartilha do protagonista difícil e atormentado, a relação complicada com seu pai que também foi chefe de polícia (interpretado pelo Samuel L. Jackson... I mean, what the fuck!?), e o "melhor" de tudo: flashbacks. E não qualquer tipo de flashback, nesses, para que VOCÊ entenda que se trata de um flashback, o filme coloca os atores usando bigodes falsos, franjas postiças e bonézinhos invertidos pra dar um ar mais jovem.


A coisa fica braba quando você percebe que, com uma hora de filme, só houve duas cenas de armadilhas e, ainda assim, ambas foram (e o resto também serão) ruins. E isso representa um dos maiores problemas de Espiral, pois esse spin-off simplesmente não tem entendimento do que são as armadilhas nessa franquia e como elas funcionam com o público. O que é irônico visto que a direção é de Darren Lynn Bouseman, responsável pelo Jogos Mortais 2 (2005), 3 (2006) e 4 (2007), indiscutivelmente alguns dos capítulos favoritos dos fãs. Ainda assim, as cenas são mal apresentadas, mostradas em flashbacks picotados sem uma introdução decente para que você, como espectador, entenda como a armadilha funciona, para assim ficar engajado com a cena. Tem caso de você só conseguir entender quando a pessoa já está morta (como na armadilha da piscina de eletrochoque com o lance dos dedos... viu? Nem eu sei descrever isso).



O que acontece com Espiral é o tipo de coisa que condena qualquer reboot ao fracasso: ele menospreza o material original. Existe uma tentativa tão forte de revitalizar a franquia e talvez até higienizá-la para um suspense policial mais "sério", que o projeto cai na própria armadilha e não consegue realizar nenhuma das duas tarefas. Não ajuda, claro, que Chris Rock esteja no seu modo stand-up e simplesmente caricato, comprometendo qualquer resquício de seriedade.


Por mais que alguns dos capítulos anteriores tenham suas qualidades duvidosas, devemos lembrar que Jogos Mortais construiu uma legião de fãs e arrecadou mais de 1 bilhão de dólares internacionalmente na base do entretenimento. Os filmes entregavam exatamente o que os fãs queriam ver: armadilhas criativas e reviravoltas ilogicamente divertidas. Espiral não tem nenhuma das duas, é um filme chato e tem o pior e mais previsível plot twist dentre todos os outros da franquia. Prometeu ser o futuro, mas pode ter sido o verdadeiro game over.


SPIRAL: FROM THE BOOK OF SAW

EUA | 2021 | 93 minutos

Direção: Darren Lynn Bousman

Roteiro: Peter Goldfinger, Josh Stolberg

Elenco: Chris Rock, Samuel L. Jackson, Max Minghella, Marisol Nichols, Dan Petronijevic, Richard Zeppieri, Patrick McManus, Ali Johnson, Zoie Palmer


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