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  • Foto do escritorJoão Neto

[Crítica] Isolamento Mortal: Máscaras não te protegem de facadas

Atualizado: 1 de set. de 2023



Um debate curioso que se surge nos últimos anos é como produções de ficção - seja no cinema, televisão ou literatura - devem, ou não, introduzir a pandemia e seus efeitos para sociedade dentro da história. Algumas pessoas argumentam que isso as tira do "feitiço" da alienação, talvez por buscarem nesses entretenimentos uma distração do mundo real. Mas a verdade é que é praticamente impossível apenas ignorar esses elementos uma vez que a ficção é um espelho da nossa realidade e se estamos falando de terror, então a ficção é um espelho dos nossos piores medos.


Mas, devido à longa gestação de seus processos, qualquer produção corre o risco de já soar datada - ou até de mau gosto - no momento em que é finalmente lançada, afinal nos movemos atualmente num ritmo frenético jamais visto na história, muito devido à internet e as redes sociais. E isso é um destino que acometeu algumas produções pequenas nascidas de estímulos criativos da pandemia, mas só lançadas meses (ou até anos) depois daqueles momentos iniciais. Pode-se dizer que Isolamento Mortal, ou Sick, no entanto, até se beneficia dessa certa distância do caos por ser uma obra que ativamente abusa e até mesmo satiriza o cenário do início da pandemia.


Esse terror marca o retorno de Kevin Williamson (criador de Pânico) à cadeira de roteirista, trabalho esse que não exercia desde o excelente Pânico 4 (2011). Aqui, ao lado de Katelyn Crabb, ele nos leva até meados de 2020 para acompanhar duas colegiais (Gideon Adlon e Bethlehem Million) indo se isolar na casa de lago da família de uma delas. Todas as pequenas afetações rotineiras daquele cenário, desde a preocupação com máscaras ao banho de álcool nas compras de mercado, se inserem no estabelecimento desse panorama.



Ao cair da noite, elas logo percebem que não estão sozinhas na casa e então inicia-se uma frenética perseguição de gato e rato que não deixa espaço para muitos respiros. Ao ser mais um exemplar dessa ressurgência dos slashers no cinema, Sick se destaca por tomar tempo para fazer o que os seus companheiros parecem não ter paciência alguma: uma boa grande deliciosa crocante enervante cena de perseguição!


O que os contemporâneos cineastas entusiastas de slasher parecem não entender é que ao escrever um filme desse subgênero (e isso, na verdade, se aplica a qualquer filme de terror), você tem o poder de brincar com os nervos do espectador. Uma cena de morte não se faz com uma rápida facada na jugular. Uma cena de morte é um jogo, é um convite para uma dança entre você e o público. Se Helen Shivers lutando por sua vida ou Gale Weathers se esquivando dentro de um estúdio de som servem de algo, é provar que Kevin Williamson entende disso com maestria. Portanto, ele transforma Sick em uma grande elaborada cena de perseguição, uma vez que o primeiro ato chega ao fim.


O diretor John Hyams também não é nenhum iniciante. Em seu filme anterior, o ótimo Sozinha (2020), ele atormentou sua protagonista através de quilômetros de floresta expansivosr, mas sempre tendo uma boa noção de espaço para não permitir que seu público se perca na escuridão. Sick é mais introspectivo, por motivos óbvios. Portanto, ele aproveita todas as deixas armadas no roteiro para dar voltas e voltas no perímetro, sem vergonha de repassar pelos mesmos corredores e varandas, afinal, se o espaço é limitado, você deve tirar proveito de cada centímetro.



Ainda assim, nem isso permite que o filme se encolha e em momentos inesperados, ele leva a ação para locações inusitadas como numa tensa sequência em uma jangada, cercada por águas profundas. Tudo isso é realizado com uma agilidade brutal de tirar o fôlego - do blocking aos movimentos de câmera aos cortes afiados aos intensos embates corporais. O trabalho de Hyams é implacável e impressionante e seu nome é um que merece atenção nos próximos anos.


Curiosamente, existem muitos ecos de Pânico aqui. O filme abre com uma abertura similar onde um personagem flerta com um número desconhecido pelo telefone, levando à um intensa invasão domiciliar, mas de um olhar mais geral, toda essa sequência soa descolada do restante do filme, ainda que separadamente seja eficaz. As mensagens do assassino e outros paralelos poderão ser observados pelos fãs mais aficionados, mas algumas dessas alusões soam derivativas demais vindo de seu próprio criador.


Talvez o eco mais interessante esteja numa decisão criativa do terceiro ato que contextualiza o filme inteiro como uma espécie de refilmagem contemporânea de outro slasher clássico de 1980 (quem assistiu, sabe do que estou falando). Essa reviravolta também leva a história para um discurso ainda mais cáustico em relação ao cenário pandêmico, que talvez divida alguns, mas é tão cretino que funciona. Uma pena que talvez o desfecho de tudo não seja tão ousado quanto, concluindo a história numa zona de conforto. Mas vou te confessar: senti muita falta dessa zona de conforto atrevida do Kevin Williamson.

 

SICK

2023 | EUA | 83 minutos

Diretor: John Hyams

Roteiro: Kevin Williamson & Katelyn Crabb

Elenco: Gideon Adlon, Bethlehem Million, Dylan Sprayberry


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