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  • Foto do escritorAndrei R.

[Crítica] Trollhunter (2010): modernidade, natureza e... trolls



A sociedade contemporânea tem profundo medo do antigo e da natureza. Sempre que vemos um ato horrível sendo cometido, rapidamente começamos a alarmar um possível retorno aos tempos medievais, à época da obscuridade, quando as pessoas não tinham total controle sobre nada. Segundo essa ideia, agora é o tempo da da civilização, do controle de todas as forças obscuras e malignas da natureza que antigamente nos dominavam. Mas será que realmente podemos chamar isso de progresso? É esta a pergunta que nos apresenta o filme O Caçador de Troll (Trolljegeren, 2010), do diretor norueguês André Øvredal, do excelente A Autópsia (2016) e do interessante Histórias Assustadoras para Contar no Escuro (2019), que nos oferece aqui uma curiosa viagem ao interior gelado da Noruega e suas crenças antigas.


Gravado em um formato de found footage como se fosse um falso documentário, o filme acompanha Thomas (Glenn Erland Tosterud), Johanna (Johanna Mørck) e Kalle (Thomas Alf Larsen), três estudantes universitários que investigam a vida de um caçador de ursos chamado Hans (Otto Jaspersen), após um aumento suspeito no número de pessoas atacadas e mortas supostamente por esses animais. Durante certa noite, eles seguem o caçador e são surpreendidos por luzes e rugidos bestiais, aí Hans aparece correndo e gritando, Thomas é ferido por uma criatura desconhecida e, por fim, os três jovens começam a deduzir: aquilo que acreditavam ser apenas um conto de fadas para assustar crianças, talvez seja muito real.

Agora, preciso confessar: sou um entusiasta de filmes found footage (talvez até demais), então quando descobri a existência dessa produção aqui, fiquei muito ansioso para assistir a ela. Acredito que, apesar de ser um estilo muito saturado por obras com escolhas bastante duvidosas (eu estou falando com você, A Forca, 2015, vulgo o pior found footage do universo), esse recurso narrativo tem um potencial instigante de conexão com o público quando é bem utilizado. E Øvredal consegue criar aqui uma atmosfera angustiante ao retratar a vida fora das grandes cidades, afinal, o filme todo se passa em florestas e desertos congelados da Noruega, onde acompanhamos Hans e os três jovens investigando ataques incomuns de trolls, seres desconectados da realidade do dia a dia — e que fazem parte da cultura escandinava. Esse ambiente de ancestralidade, os perigos do desconhecido em paisagens ainda não dominadas completamente pelos seres humanos, é bem traduzido durante todo o filme. A ação se passa exclusivamente durante a noite, quando os Trolls aparecem e o perigo espreita em cada canto da floresta, nos deixando com a expectativa por um sinal dos monstros. Mesmo quando é dia, ainda conseguimos perceber a presença desses seres nos estragos que deixaram. A sensação é de que não há como negar sua presença, apesar de todas as explicações racionais que se busque — e muitos personagens durante o filme buscam tentar explicar o que está acontecendo.



A construção da mitologia dos trolls é outro ponto positivo do filme. Todas as regras que Hans nos apresenta sobre o comportamento desses seres, como a região onde vivem, a sua incapacidade de se locomover na luz do sol, a sede por sangue de cristãos e as diferentes características de cada “espécie”, são seguidas coerentemente pelo roteiro até o final. Isso colabora com a nossa imersão naquele universo, pois não há decisões duvidosas ou mudanças radicais na mitologia a serem relevadas em prol do choque barato. E aqui eu me sinto na obrigação de elogiar a incrível equipe responsável pela concepção e design das criaturas. Cada novo troll é bem diferente do anterior, o que também estabelece uma dinâmica de perigo crescente — tem troll grande de três cabeças, tem menor com força descomunal, alguns aparecem em bando, enfim. Cada uma das criaturas é construída com muitos detalhes e um cuidado que se merge com a o clima de paranoia da fantasia e nos faz cogitar: até que não seria tão implausível considerar a existência desses monstros no mundo real — um sentimento arrematado pelo autoridade de supostas explicações científicas.


A cereja no topo do bolo, porém, é a relação que Øvredal cria entre o contemporâneo e o antigo. No seu filme, a sociedade buscou disfarçar a existência desses seres e, quando uma tragédia acontece, a solução é vê-los como monstros sanguinários e aí eliminá-los. A nossa tão elogiada "civilização ocidental” tem essa mania de acreditar que é ela quem tem direito a ditar os rumos da natureza, e os demais que se adaptem. Até porque, se não o fizerem, serão eliminados. Destruímos e estigmatizamos modos de vida e de pensar antigos ou contemporâneos que são diferentes da hegemonia, como se fossem necessariamente ruins. A motivação que leva Hans a aceitar ser filmado, por exemplo, levanta o questionamento se deveríamos naturalizar tanto assim o nosso modo de vida e diminuir por completo as realidades mais antigas ou diferentes. Temos um fascínio pelas coisas macabras que podem acontecer longe de uma cidade, pelos monstros que habitam a floresta, como se fosse apenas nesses lugares que o ruim existe.



O Caçador de Troll pode então ser visto como uma entrada curiosa no folk horror. Não nos termos do culto rural pagão e nem da família de canibais sanguinários, mas surgem aqui outros elementos desse subgênero, como as criaturas mitológicas tentando coexistir com uma sociedade cada vez mais modernizada e irresponsável em relação à natureza — sempre tentando mostrar como é supostamente tão evoluída que é capaz até de superar o ambiente ao redor. O recurso do found footage ajuda na construção dessa comparação entre o antigo e o novo, e ainda nos permite uma conexão maior com os horrores do filme. Afinal, o estilo documental nos permite descobrir junto com os personagens sobre esses monstros que habitam fora da cidade, e só depois disso é que podemos refletir junto com eles: “Tá, esses bichos realmente são os vilões da história?”. Não há respostas certas ou erradas para essa pergunta, e definir isso não é o objetivo do filme, mas sim deixar o espectador pensando sobre tudo aquilo que viu acontecer — coisas não tão longe assim da nossa própria realidade.


TROLLHUNTER

NORUEGA | 2010 | 103 minutos

Direção: André Øvredal

Roteiro: André Øvredal

Elenco: Glenn Erland Tosterud, Johanna Mørck, Thomas Alf Larsen e Otto Jaspersen



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