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[49ª Mostra] 'Erupcja' é alarme falso de erupção, mas belo ponto turístico

  • Foto do escritor: Luiz Machado
    Luiz Machado
  • há 17 minutos
  • 4 min de leitura

Em 2020, a cantora britânica Charli xcx lançou, na humilde opinião deste autor, seu magnum opus. No álbum confessional How I’m Feeling Now, Charli explora os sentimentos conflituosos que floresceram durante a pandemia enquanto buscava, de forma quase desesperada, uma reconexão humana.


Mais especificamente na faixa "Party 4 U", talvez a mais emblemática daquela era, ela recorre à metáfora de “dar uma festa”, preparando algo especial para uma pessoa igualmente especial que nunca aparece. Oscilando entre a euforia da antecipação e a melancolia da perda, a canção se dissolve em uma batida eletrônica, refletindo o momento em que se percebe que aquele amor, de fato, pode ter chegado ao fim.


Agora, cinco anos depois, após ter seu nome atrelado a quase dez projetos em desenvolvimento, Charli finalmente faz sua estreia como atriz em Erupcja, dirigido por Pete Ohs.


Comportando-se como um clássico do mumblecore*, o filme acompanha Bethany, uma turista britânica que chega com seu namorado bobão à Varsóvia, na Polônia. Rob (Will Madden) vai pedi-la em casamento! Ela sabe!! Ela viu o anel!!! Tomada pela angústia da dúvida, Bethany então decide transformar a viagem em uma oportunidade de reencontrar Nel (Lena Góra), uma amiga que fez na adolescência, durante a primeira vez em que esteve no país. Mas há um detalhe curioso: em todas as cinco vezes em que estiveram juntas, um vulcão entrou em erupção.


*Movimento do cinema independente dos anos 2000, marcado por baixo orçamento, diálogos naturais, muitas vezes improvisados, e foco nas relações cotidianas de jovens adultos.


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Mergulhando no microcosmo de incertezas da vida adulta, alternamos entre enquadramentos fechados que parecem sufocar seus personagens, e planos abertos pelas ruas de uma cidade fantasma, evidenciando suas solitudes. Flores são cortadas de seus caules e irão morrer para servirem de presente em um relacionamento fracassado, comida de restaurantes chiques são pequenas demais para serem satisfatórias, quadros em museus servem para ser fotografados e a única forma real de comunicação em um mundo de meias palavras parece ser a poesia. Como expressamos o que realmente sentimos sem deixar nada de fora?


Dentro da aventura inconsequente que o reencontro dessas duas mulheres desencadeia, é interessante pensar que a primeira faísca entre elas aconteceu quando eram adolescentes na escola. Tinham a vida inteira pela frente e uma ânsia de viver intensamente pulsando sob a pele. De todas as fases da existência, a transição da infância para a maturidade talvez seja a mais livre, mesmo que podada por todos os lados. É o momento em que realmente somos fenômenos da natureza, guiados por instintos, por curiosidade e pelo desejo de experimentar o mundo. Agora, dezesseis anos depois, o filme nos coloca diante de um cenário completamente diferente, ainda que igual no coração. Entramos em campos perigosos de perda. Já não existe a inocência juvenil para se culpar pela nossa desconsideração. Carregamos a responsabilidade por nossas escolhas, por quem nos tornamos e por quem decidimos manter por perto.


É como Antoine de Saint-Exupéry escreveu naquele famoso livro infantil: Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. [*engatilha a arma*]


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Talvez a maior dificuldade do momento dos vinte e tantos e os trinta e poucos seja justamente essa: reconhecer que somos, de fato, culpados. A metáfora do vulcão é óbvia, mas perfeita. Uma erupção é algo natural, imponente, imparável, belo e quase milagroso, cheio de misticismo. Algumas pessoas são assim: intensas, mágicas e incontroláveis. Outras permanecem adormecidas por anos, até que algo as faça explodir por dentro. E há ainda aquelas que jamais entrarão em erupção, mantendo-se estáveis, seguras, mas inertes. E, como o próprio texto do filme verbaliza, erupções também destroem tudo ao redor.


Por isso, não à toa, os efêmeros 70 minutos de filme me evocaram constantemente à letra de "Party 4 U" e todas as suas implicações assombrosas. É curioso perceber que, em uma história centrada na caótica relação entre duas mulheres, a perda mais dolorosa talvez seja a de Rob. Aqui, quem dá a festa é ele; Rob é quem prepara, espera, espera e espera sem que Bethany nunca chegue. O contraponto é de partir o coração. Será que o amor ainda pode existir quando já está envolto em mágoa, distância e incomunicação? Se você não ver a pessoa chorando, como saberá que a magoou? Você a tocaria? O “perdão” pode ser um conceito um pouco inocente demais. Afinal, ele deu uma festa só para ela.


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Mesmo repleto de boas ideias e sentimentos sinceros, Erupcja peca por não mergulhar mais fundo na lava emocional que propõe. É um filme que ameaça o calor da erupção, mas permanece nas bordas do vulcão, observando o fogo de longe. E é bastante frustrante perceber que as explosões nunca chegarão de fato. Os diálogos, muitas vezes engessados, impedem o fluxo emocional de ganhar corpo e acabam se sustentando mais no carisma dos atores do que na densidade do que está sendo dito.


Lena Góra é o grande destaque aqui, com uma personagem ambígua, magnética e dolorosa, talvez o retrato mais honesto da vida adulta dentro do filme. Charli xcx é competente e, em alguns momentos, entrega nuances interessantes, ainda que um pouco mornas. Ela tem, contudo, um ótimo monólogo que oferece um lampejo de grandeza, mas que certamente não se concretiza neste filme. Já Will Madden, apesar de ganhar um parágrafo inteiro nesta reflexão, pouco acrescenta além da expressão de um cachorro abandonado, que não nos dá muito mais do que pena.


No fim, Erupcja é fofo, divertido e bastante agradável, o famoso filme de três estrelas. Tem charme, sensibilidade e uma estética envolvente, mas sem a competência de transformar sua poça de magma em uma viagem ao centro da terra.

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