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  • Foto do escritorLetícia Rodrigues

[Crítica] Puro-Sangue e suas adolescentes homicidas

Atualizado: 29 de mai. de 2021



Então seu padrasto é um babaca. A melhor solução? Assassinato. Agora, a única coisa que você precisa é o incentivo de uma amiga com baixos níveis de empatia para planejar detalhadamente como fazer isso e ainda se safar.


Puro-Sangue (Thoroughbreds, 2017) nasceu primeiro como uma peça de teatro e dá para notar. Várias das cenas são compostas apenas pela conversa entre as duas protagonistas - o que poderia indicar um roteiro pouco desenvolvido, mas a história passou dois anos sendo construída para o palco antes de virar filme. O diretor de primeira mão, Cory Finley, também roteirizou a obra e usa os longos diálogos a seu favor, escondendo neles a exposição.


Finley sabe exatamente qual informação revelar através das conversas entre os personagens e, talvez mais importante, quais segurar até um momento mais tarde no filme, constantemente mantendo a audiência engajada. O diálogo é dinâmico, instigante e, em alguns momentos, inesperadamente engraçado. Esse elemento é apenas potencializado pelas cativantes performances.



Antes de O Gambito da Rainha (The Queen’s Gambit, 2020), Anya Taylor-Joy trouxe para as telas outra jovem emocionalmente complexa: Lily. No filme, a atriz dá vida a essa jovem que sente-se encurralada pela figura de seu padrasto numa performance sutil e impactante. O conflito entre eles não é muito bem explicado e o filme decide não tomar o possível rumo do padrasto que é inapropriado sexualmente com a enteada, preferindo, assim, focar não tanto no porque do plano, mas sim em como Lily chega na decisão de planejar o assassinato de outra pessoa. E quem a ajuda com isso é Amanda, interpretada pela incrível Olivia Cooke.


Talvez você a reconheça como a Emma, de Bates Motel, ou em seu último filme, O Som do Silêncio (The Sound of Metal, 2019), que recebeu seis indicações ao Oscar desse ano. Já em Puro-Sangue, Cooke rapidamente te conquista como Amanda, uma jovem emocionalmente incapacitada. Seu personagem pode não ser capaz de sentir muitas coisas, mas a atriz capta nosso interesse através de sua performance magnética e do humor seco do personagem.



Seria um crime não mencionar Anton Yelchin, como Tim, o traficante de segunda categoria/pervertido da cidade. O ator trazia uma energia única para seus papéis, uma presença marcante em todos os seus filmes e aqui não foi diferente. Em uma de suas últimas aparições no cinema antes de sua trágica morte, Yelchin dá camadas para Tim, um personagem que poderia muito bem ter sido uma caricatura unidimensional, com sua atuação singular.


Puro-Sangue pode até te atrair com o enredo chamativo de “garotas adolescentes sociopatas planejam o assassinato de um homem babaca” (e tem isso, o que é ótimo), mas o coração do filme é a dinâmica entre Amanda e Lily. “No seu centro, é quase que estruturalmente mais uma comédia-romântica do que qualquer outra coisa. É mais sobre o relacionamento das duas protagonistas, do que qualquer outra coisa. As duas protagonistas são o principal obstáculo uma da outra e, ao mesmo tempo, o principal objetivo.”, diz Finley numa entrevista para o podcast The Q&A with Jeff Goldsmith.



“Tipo, eu não tenho sentimentos nunca.”


É a resposta de Amanda para o questionamento de Lily sobre um recente acontecimento traumático na vida da primeira. Como as melhores - e mais trágicas - dinâmicas do cinema, as garotas são o oposto uma da outra. Amanda é introduzida como uma garota incapaz de sentir, o contraste hiperbólico de Lily, uma jovem hipersensível. Apesar dessa dinâmica já ser interessante por si só, o roteiro, novamente, traz uma profundidade maior para as adolescentes, brincando com essa aparente dicotomia. Ao longo do filme, vamos descobrindo mais sobre cada uma e como elas são mais parecidas do inicialmente esperado.


A cena que melhor representa isso vem lá nos últimos minutos do filme e revela o domínio, não só em roteiro, mas técnico de Finley, impressionante para alguém dirigindo seu primeiro longa. Ele decide não mostrar violência durante todo o filme e uma das cenas climáticas entre Lily e Amanda une o deslocamento da violência com outra técnica muito presente na obra: o uso de planos sequências. Refletindo a sensação do ao vivo do teatro aqui a câmera fica parada em uma delas, deixando a audiência construir em sua mente o que pode estar acontecendo fora de cena.


Finley sabe equilibrar seus longos diálogos com seus longos silêncios - ambos com alto um potencial alienante e que, realmente, poderiam ter sua duração reduzida em alguns momentos -, mas que, no final, contribuem para um thriller psicológico curioso que beira a um inesperado neo-noir. Finley ainda joga um complexo relacionamento entre duas adolescentes com tendências homicidas no seu centro. O que mais alguém pode querer?


PURO-SANGUE

EUA | 2017 | 92 minutos

Direção: Cory Finley

Roteiro: Cory Finley

Elenco: Anya Taylor-Joy, Olivia Cooke, Anton Yelchin




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