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  • Foto do escritorAlvaro de Souza

[XVII Fantaspoa] Entrei em Pânico ao Saber o que Vocês Fizeram na Sexta-Feira 13 do Verão Passado



No já longínquo ano de 2001, um fã de terror de uma cidade pequena na serra gaúcha juntou amigos e familiares para uma brincadeira com o gênero. Filmado nos finais de semana ao longo de oito meses com uma câmera VHS, o resultado foi Entrei em Pânico ao Saber O Que Vocês Fizeram na Sexta-Feira 13 do Verão Passado, um filme que, como o título já deixa claro, vai debochar dos filmes slashers que faziam sucesso naquela época. Num momento em que o cinema fantástico nacional estava adormecido e existindo basicamente em pequenos focos de realizadores independentes (como o Petter Baiestorf por exemplo), o pequeno feito com litros de sangue de groselha conseguiu uma repercussão impressionante. Jogue o nome no YouTube e você irá encontrar matérias da época feitas pelo programa do Luciano Huck e pelo Fantástico, isso sem contar as várias reportagens e críticas feitas para veículos virtuais. O filme se tornou algo quase que folclórico no imaginário de fãs de terror brasileiros — levando, inclusive, a uma sequência que está disponível no canal do YouTube do diretor, Felipe M. Guerra. Essa aura só se intensificou com o fato de que, com a exceção de algumas exibições em festivais (de cinema de borda ou fantástico) e algumas cópias vendidas pelo diretor, o acesso ao projeto foi restrito a poucas pessoas aos longo dos anos — pelo menos até agora.


Reeditado pelo próprio Felipe M. Guerra e apelidado de “versão Redux”, Entrei em Pânico ao Saber O Que Vocês Fizeram na Sexta-Feira 13 do Verão Passado pode ser conferido gratuitamente na versão virtual do Fantaspoa que está acontecendo esse ano. Indo para um lado um pouco mais pessoal, gostaria de dizer que para mim foi uma oportunidade e tanto, pois este era um filme que eu já queria ver a pelo menos uns dez anos (sim…). Como um fã de terror que teve o gosto moldado na adolescência pelos textos do site Boca do Inferno (para o qual o diretor inclusive escrevia na época), essa era uma produção que vivia no meu imaginário, e finalmente poder vê-la foi um belo presente do festival.



Na história nós acompanhamos um grupo de jovens da pequena cidade de Carlos Barbosa. Embora em choque pelo brutal assassinato de uma colega e de outros adolescentes, eles decidem fazer uma pequena festa para comemorar a formatura deles. A reunião acontecerá na casa de Goti. O rapaz, cujo irmão é conhecido nas localidades por ter uma gigantesca coleção de fitas VHS de terror, vai usar a ocasião como pretexto para enfim conhecer pessoalmente Niandra, uma garota com quem ele estava há tempos flertando virtualmente. Mas obviamente os planos desses pobres coitados serão interrompidos por um assassino mascarado (no caso a mascara é do Ghostface) que irá se infiltrar na festa e despachar as suas vítimas com golpes de facão, machados e… Uma torneira? Ah, e tudo isso acontecendo numa sexta-feira 13, claro.


A versão disponível no festival é consideravelmente mais curta que a original (ela tem 75 minutos em contraste com os 120 da primeira) e considerada pelo próprio Felipe Guerra uma versão mais polida do material. E existe algo de muito único em todas as produções feitas no mesmo estilo que Entrei em Pânico…, filmes feitos por fãs com orçamentos inexistentes, atores não profissionais e onde até mesmo os defeitos acabam se tornando parte do charme da produção, pois o carinho e esforço dos envolvidos está estampado em cada cena.



Visto hoje, parece que estamos diante de uma cápsula do tempo de uma cidadezinha no começo do milênio. Vemos o interior das casas e as ruas que os personagens passeiam com uma intimidade tremenda, há gírias locais em todas as conversas, e não vou mentir, não fosse a cópia do Fantaspoa estar legendada, diálogos inteiros beirariam o incompreensível para mim. Falo de diálogos como o do rapaz revoltado por descobrir que a namorada o traía com “aquele cara que vendia mandolates”, entre outras coisas que só poderiam sair de alguém muito imerso naquele cotidiano, e que por isso mesmo tem a possibilidade de falar de um lugar e das pessoas nele com tamanho carinho e nível de paródia.


Em relação ao humor, bom, a verdade é que o teste do tempo tende a ser muito cruel em relação a comédias. Sensibilidades mudam radicalmente ao longo das décadas e coisas que antes riamos e nos pareciam muito aceitáveis dez anos atrás, podem nos deixar horrorizados quando vemos hoje. Entrei em Pânico… é um caso curioso. Primeiramente, gostaria de pontuar a cena inicial: uma paródia do icônico prólogo de Pânico (1996), que ficou incrível e deliciosamente datada. Nela, ao atender o telefone, a personagem ouve o assassino do outro lado da linha dizer que vai matar o namorado dela caso erre resposta da seguinte pergunta: “Pânico 3 tem roteiro?”. A garota pede “ajuda aos universitários”, escutamos então a música do extinto Show do Milhão do Silvio Santos e surge uma pequena bancada de universitárias debatendo qual seria a resposta certa afinal. Há outras gags bobas, como a personagem lendo um guia sobre filmes de terror para tentar responder o assassino, o fato do mesmo aparentemente estar em todos os lugares ainda que isso não faça sentido, o cara chamado Geison que é alvo de bullying toda sexta-feira 13, e a cena da torneira de sangue — que virou uma marca tão grande do filme que, agora, está no pôster. Todas continuam funcionando maravilhosamente e me fizeram abrir um belo sorriso quando apareceram na tela.



Outras envelheceram de forma… Hmm… Curiosa. Entre os diálogos dos personagens, existem montes de homofobia e machismo casual; um deles chega a quebrar um CD da Shakira para que não achem que ele escuta “esse tipo de coisa”, outros dois decidem ver uma fita pornô lésbica no meio da festa etc. Coisas que podemos afirmar que envelheceram mal, mas que na minha humilde opinião acabaram acrescentando (ainda que de forma não intencional) à chave de paródia slasher do filme. Existe também uma brincadeira muito interessante aqui em relação ao papel dos personagens masculinos; embora personagens femininas também morram, são mortes quase sempre off-screen (fora da tela), ao contrário do que acontece aos homens, que são violentamente dilacerados diante da câmera e em mais de um momento por causa de sua estupidez. Quase todos morrem justamente por querer peitar o assassino e tentar se impor como a figura masculina dominante no ambiente — e os resultados acabam sendo sempre desastrosos. Tudo isso acaba virando um curioso comentário sobre a masculinidade (e não apenas no terror), sobre a incapacidade dos homens de aceitarem sua vulnerabilidade e, por fim, sobre como a necessidade de se mostrarem como alfa constantemente, só pode levar à tragédia.


A cena em que o protagonista vai tomar banho e a câmera explora seu corpo da mesma forma com que a nudez feminina é filmada em slashers, também converte-se numa paródia interessante do male-gaze (olhar masculino), e acidentalmente acaba se tornando um tanto homoerótica. Esse é outro ótimo exemplo do que falei acima, assim como das outras brincadeiras e pequenas subversões do subgênero slasher que permeiam o filme: personagens que não fumam maconha são os primeiros a morrer, não só o assassino é praticamente imortal (igual em todos esses filmes homenageados, ele é esfaqueado, baleado e desmembrado, mas continua voltando), da mesma forma o mocinho é praticamente retalhado e continua vivo — enfrentando o algoz para o terror dele.



Porém, se eu dissesse que todo o humor do filme funciona, estaria mentindo. Tem piadas que são apenas sem-graça mesmo, como as cenas em que um personagem luta com o assassino enquanto a montagem usa sons e efeitos do Street Fighter, e a cena dos personagens brincando com uma Barbie e um boneco do Leatherface, assim como algumas piadas de maconheiro. O ritmo às vezes fica truncado (em vários momentos, um personagem específico é mostrado apenas andando de carro pela cidade) e tenho plena noção de que nem de longe o longa irá agradar a todos os públicos.


Em meio a tanto, indico a produção e acho que a oportunidade de assisti-la no Fantaspoa deve ser aproveitada. Não apenas porque é uma parte curiosa do cinema fantástico nacional a qual que estamos tendo acesso, mas também por ser um daqueles projetos que os fãs de horror podem até desgostar, mas com o qual ainda assim sentirão algum tipo de conexão — justamente por ser algo que é fruto do amor pelo gênero. As melhores paródias costumam vir de pessoas que não só conhecem bem o material com que estão trabalhando, mas que também têm algum tipo de afeto com ele, e é daí que vem o brilho de Entrei em Pânico…


E, bom, na pior das hipóteses, segue sendo melhor que pelo menos ⅗ da série Todo Mundo em Pânico.


Entrei em Pânico ao Saber O Que Vocês Fizeram na Sexta-Feira 13 do Verão Passado e muitos outros filmes fazem parte do XVII Fantaspoa, totalmente online e gratuito, disponível na plataforma Wurlak.


ENTREI EM PÂNICO AO SABER O QUE VOCÊS FIZERAM NA SEXTA-FEIRA 13 DO VERÃO PASSADO

BRASIL | 2001 | 75 minutos

Direção: Felipe M. Guerra

Roteiro: Felipe M. Guerra

Elenco: Rodrigo Guerra, Niandra Sartori, Eliseu Demari, Marcelo Ferranti, Tomás Zilli


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