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  • Foto do escritorAndrei R.

[XVII Fantaspoa] Mate-o e Deixe Esta Cidade traz morte, luto e um oceano de memórias



A morte e o luto são temas que há muito tempo fascinam e despertam nossa curiosidade — e também nosso receio. Assinado pelo diretor e animador polonês Mariusz Wilczyński, Mate-o e Deixe Esta Cidade (2020) nos leva para um passeio pelos efeitos da morte na vida daqueles que ficam. É o primeiro trabalho em longa-metragem do cineasta, e levou quatorze anos para ser finalizado, tanto é que ainda conta com a participação do premiado cineasta polonês Andrzej Wajda, que dublou um dos personagens antes de falecer em 2016.


Nele, Mariusz e a roteirista Agnieszka Ścibior se aliam para produzir uma obra muito pessoal. Acompanhamos um personagem nomeado a partir do diretor, Mariusz, lidando com a morte de sua mãe, enquanto mergulha em um oceano de lembranças que se confundem entre si, uma tormenta de sofrimento. Na première do 70º Festival Internacional de Cinema de Berlim, Mariusz (diretor) confirmou que a produção desse filme foi a forma que ele encontrou para dar adeus às pessoas queridas de sua família que haviam falecido sem ele ter tido oportunidade de se despedir. Já o Mariusz fictício também não vê a mãe morrer, pensando que poderia retornar depois, ele parte do quarto de hospital onde ela está internada.


A perda lhe causa um turbilhão de memórias, e a forma como Mate-o e Deixe Esta Cidade mostra essa jornada é e um dos pontos altos da obra. A sensação para quem assiste é de completa confusão, pois as lembranças de Mariusz não são apresentadas de forma linear; memórias de infância misturam-se aos acontecimentos mais recentes de sua vida em uma única cena. Somado a isso, chegam as cenas num viés surrealista, como pessoas-pássaros e corvos gigantes coexistindo em uma cidade barulhenta que nunca para. É como se estivéssemos assistindo a um pesadelo.



Afinal, nossas memórias não são lineares e não teriam como ser entendidas por todos. Fiel a isso, Mate-o e Deixe Esta Cidade nos traz imagens que não foram feitas para nós, mas que ao mesmo tempo nos convidam para entrar nesse delírio macabro. Cenas agressivas viram momentos de calma e alegria, que por sua vez rapidamente são transformados em algo incômodo e desconfortável. Mariusz, personagem e diretor, possuem uma visão triste desse mundo. Uma na qual somos como seus peixes, nadando num oceano sem fim, apenas esperando o momento em que seremos capturados e mortos, sem muita escolha.


E a forma com que a animação foi feita combina muito bem com essa ideia, compondo imagens a partir de desenhos monocromáticos que se sobrepõem através de figuras recortadas muitas vezes de maneira propositalmente tosca. Da mesma forma, há cenas em que as ilustrações são bem detalhadas, empregando vários tipos de técnicas e traços. Já outras parecem que foram feitas em uma folha de caderno, como se fossem apenas ensaios em forma de rabiscos. Com isso, a sensação que tive ressaltou o fato de que algumas memórias são mais detalhadas, pois estão enraizadas na nossa cabeça — ou porque nos impactaram ou porque são mais recentes. Nesse sentido, é possível perceber um grande cuidado estético na produção, resultando uma obra muito bem pensada e realmente impressionante.



O horror, como talvez já tenha dado a entender, reside justamente na morte e nas consequências que ela traz para aqueles que continuam em vida. Não há uma única forma de lidar com esse evento natural da vida de qualquer um. Ninguém tem um luto melhor do que o outro, e Mate-o e Deixe Esta Cidade não se apresenta como um manual da morte, não traz receitas simples, conselhos baratos e nem frases prontas para consolar quem perdeu um ente querido. O que encontramos aqui é uma visão da vida e da morte a partir de experiências completamente pessoais. Assim, é um filme que com certeza pode atingir os espectadores de formas muito diferentes. É possível que você concorde com essa visão um pouco pessimista do mundo, mas também é possível que discorde completamente dela, o fato é: alguma coisa você vai sentir. A morte atinge a todos em algum momento, e é impossível ignorá-la.


Animação bem trabalhada e profundamente pessoal, Mate-o e Deixe Esta Cidade nos convida a refletir nosso próprio destino, nossa história do início até a morte, e também após ela; como nós continuaremos existindo na memória dos que ficam? É um filme não muito recomendado para quem quer descontrair, ainda mais nesse momento em que vivemos uma nova relação com a Vida e a Morte. Devido ao potencial de despertar momentos traumáticos, este filme pode levar o espectador a talvez rememorá-los, e quem sabe chorar e refletir sobre eles também. De qualquer forma, esteja preparado para adentrar um oceano sem fim ao dar play.


Mate-o e Deixe Esta Cidade e muitos outros filmes fazem parte do XVII Fantaspoa, totalmente online e gratuito, disponível na plataforma Wurlak.


KILL IT AND LEAVE THIS TOWN

POLÔNIA | 2020 | 88 minutos

Direção: Mariusz Wilczynski

Roteiro: Mariusz Wilczynski, Agnieszka Scibior

Elenco: Andrzej Wajda, Daniel Olbrychski, Krystyna Janda, Maja Ostaszewska, Anna Dymna



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