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  • Foto do escritorJoão Neto

[Crítica] Morte Morte Morte é Agatha Christie pra geração Z



O que acontece quando você tranca seis usuários do Twitter dentro de uma mansão enorme com álcool, drogas e um cadáver? Morte Morte Morte, ou Bodies Bodies Bodies, responde essa questão virando o subgênero de mistério whodunnit tão característico da Agatha Christie às avessas para a geração Z, com personagens igualmente caricatos e descompensados, facadas figurativas (e literais) nas costas e muitas, mas muitas carreiras de pó.


Estreando hoje (6) nos cinemas brasileiros – com um pouco de atraso mas uma divulgação surpreendentemente esforçada por parte da distribuidora –, a comédia de horror da Halina Reijn é um exercício ácido de sátira direcionado à uma geração que encapsula muito bem seus comportamentos mais nocivos através de uma trama ágil de panela de pressão ágil. O tom dos seus personagens envoltos numa bolha de privilégio já é ditado através da prerrogativa de sua reunião: uma festa intimista em meio a uma tempestade com risco de furacão.


Suas relações forjadas a base da passivo-agressividade são encaradas com estranheza por Bee (Maria Bakalova), levada pela sua recente namorada Sophie (Amandla Stenberg) para o local e que por si só também é recebida com certo grau de estranheza. A personagem serve como os olhos do público, uma humilde imigrante europeia que tem seus próprios segredos, mas que serve de contraponto para o egocêntrico grupo de amigos. Quando a tempestade chega, eles resolvem começar a brincadeira que batiza o filme, uma variação do jogo do Lobisomem onde papéis são distribuídos e uma pessoa fica encarregada de ser o "assassino", matando as vítimas no escuro com um toque no braço. Obviamente, estamos num filme de terror e eventualmente nos deparamos com um cadáver de verdade.



Intrigas, ciúmes, tensões e segredos emergem em meio ao efeito dos entorpecentes e do medo mas o comportamento tóxico desses personagens vão além da própria situação. Você pode não necessariamente querer ser amigo deles (sim, eles são horríveis), mas você definitivamente vai querer passar esses 90 minutos assistindo à sua auto-destruição, pois essa é a hilária força-motriz de Bodies Bodies Bodies. Reijn pilota os altos e baixos do roteiro firmando parceria com seu afiado elenco, que engradece o roteiro dando vida e energia à figuras razoavelmente simples. E embora todos estejam bem em seus papéis, o destaque vai pra elétrica Rachel Sennott (Shiva Baby), uma estrela em ascensão que aqui rouba todos os holofotes (ou melhor, lanternas de celular) pra si mesma quando está em cena. Seu preciso timing cômico, carisma e versatilidade a mostram como uma Parker Posey da nova geração e seu nome é definitivamente um que você deve guardar.


O filme também balanceia boas sequências de tensão, dirigidas com firmeza por Reijn num preciso jogo de sombras e iluminação, tecnicamente impecável e imersivo, aliado da ótima trilha sonora assinada pelo Disasterpiece (It Follows). Na maior parte do tempo, ela consegue encontrar o equilíbrio entre o suspense e o alívio cômico, subvertendo expectativas e brincando com o formato do slasher, até chegar em seu divisivo, mas coeso desfecho final.



A real é que Bodies Bodies Bodies já nasceu envolto em uma brilhosa embalagem de clássico cult, mas é interessante perceber como esse é o momento perfeito para sua estreia e não falo apenas por conta do seu discurso. Mas sim porque, tivesse sido lançado dez anos atrás, ninguém saberia como vendê-lo. Aqui, a A24 espertamente afunilou a promoção para o seu público-alvo (majoritariamente jovem, feminino e/ou queer), usando as redes sociais ao seu favor (quem não ficou obcecado pelos photodumps do elenco posando coberto de sangue?) e até garantindo uma música-tema na voz da Charli XCX, que entoa versos sobre ser rica, gostosa e cheirar pó.


Abraçar a futilidade como estética em tempos em que a futilidade é uma estética é uma decisão inteligente da equipe criativa e estúdio para vender um filme cujo humor conversa diretamente com o público atual, enquanto discute privilégio, classicismo e a relação dessa geração com as redes sociais. Junte isso a personagens irritantemente carismáticos, um elenco de rostos promissores, trilha sonora pop e um roteiro que toma rumos cada vez mais histéricos e Bodies Bodies Bodies atinge a fórmula perfeita para um midnight movie de grupo de amigos. Afinal, quem não vai querer rever repetindo algumas das falas mais icônicas junto com a televisão? Eu mesmo já decorei o monólogo do podcast.

 

BODIES BODIES BODIES

EUA | 2022 | 94 min.

Direção: Halina Reijn

Roteiro: Sarah DeLappe

Elenco: Amandla Stenberg, Maria Bakalova, Rachel Sennott, Myha'la Herrold, Chase Sui Wonders, Pete Davidson, Lee Pace


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