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  • Foto do escritorJoão Neto

[Crítica] Violation e a brutalidade no processo de catarse

Atualizado: 2 de abr. de 2021


Há poucos meses, publicamos um editorial chamado Promising Young Woman e a subversão do rape-revenge, onde analisamos a evolução desse subgênero através dos anos e como recentemente cineastas mulheres vem ressignificando histórias que são sobre elas, mas que nunca eram contadas por elas. O filme da Emerald Fennell que estampa o título do texto - e que ganhou 5 indicações ao Oscar - foi apenas o nosso estopim para comentar vários problemas que envolvem esse gênero e como algumas produções recentes vêm buscando consertá-los.


Uma das problemáticas comentadas é que na maioria dos casos, essas personagens são unidimensionais e resumidas exclusivamente à violência que sofreram, logo se transformando em máquinas de vingança sem nenhuma função humana. E ok, talvez isso possa ser atrelado ao formato e ao gênero visto que esses filmes eram focados mais na ação e na consequência, mas com tanta produção envolvendo esse tema e reforçando o mesmo tipo de representação sem aberturas para um desenvolvimento pessoal maior, o que elas estariam querendo dizer afinal?


Assim como Promising Young Woman, Violation nunca esquece que existe uma pessoa em sua protagonista. Mesmo com abordagens diferentes, os dois conversam bastante no que se refere ao doloroso processo de catarse após uma violação.



Esse drama/terror canadense conta a história de Miriam (Madeleine Sims-Fewer), uma mulher que viaja até a casa de campo da irmã mais nova Greta (Anna Maguire), com quem tem um relacionamento estranho, mas esperando retomar um pouco da intensidade que tinham quando mais novas. Acompanhada de seu namorado Caleb (Obi Abili), com quem está tendo alguns problemas no relacionamento, o quarteto é completado por Dylan (Jesse Lavercombe), seu cunhado e amigo de longa data.


No meio de uma narrativa propositalmente confusa (mas com um formato ambicioso), Violation aos poucos constrói uma história sobre violação () e vingança. Mas também é uma história sobre trauma e catarse. Ou pelo menos, a tentativa de se achar catarse em um trauma.


O que mais me chamou atenção sobre Violation - e como ele conversa com o que comentei no início do post - é como ele embaralha alguns conceitos clássicos desse subgênero controverso. Como deu pra entender, existe um estupro nessa história. Mas ao contrário do que já vimos em outros exemplares, não há aquela dicotomia do bem e do mal; a protagonista ultraviolentada e os antagonistas sádicos. O que o torna ainda mais visceral é que são personagens com relações humanas e críveis, e como o ocorrido os afeta, seja fisicamente ou psicologicamente.



É por isso que a brutalidade no processo de catarse é um ponto tão importante neste filme. Não quero entregar tantos spoilers pois desejo que tenham uma experiência tão positiva quanto a minha, sabendo o mínimo possível. Mas o que tenho a dizer é que é bem mais difícil assistir consequências extremas quando os personagens que você vê em tela não são apenas esqueletos de uma pessoa. Além do mais, é evitando a glorificação dessa catarse (que é normal encontrar em filmes do gênero) que Violation levanta uma questão difícil na sua emblemática cena final.


O roteiro co-assinado pela protagonista Madeleine Sims-Fewer e Dusty Mancinelli (ambos também diretores) entende a importância de desenvolver esses personagens para que o traço de impacto possa ser mais efetivo no público. Nem sempre sua estrutura não-linear funciona, pois ainda que instigante nos primeiros momentos, logo percebe-se que não é tão difícil juntar a+b e entender o que aconteceu, antes de ser mostrado. Ainda assim, senti essencial que essas relações fossem bem trabalhadas em tela, do contrário o resto não funcionaria tão bem.



Afinal, um dos principais dilemas dentro do roteiro é o consentimento, o que é um contraponto importante às representações de violência sexual no cinema e nesse gênero em particular. Dessa maneira, o filme ganha combustível na ambiguidade do acontecimento, mas não de uma maneira que te leve a desacreditar a personagem, mas sim compreender que estupros não ocorrem apenas em situações extremas, sob mão armada, em becos escuros ou sob fortes entorpecentes. É nas palavras simples de Miriam, nas perspectivas diferentes deste evento e na sua busca por retribuição que Violation lança um novo debate dentro dessas narrativas.


Obviamente, não será um filme para todos e deixo claro isso. Mas com uma direção sofisticada, roteiro rebuscado e uma forte performance principal de Sims-Fewer que Violation já se estabelece como um dos destaques do ano. Tem ecos bem identificáveis de suas influências, de Audition (1999) a Anticristo (2009), mas os usam para construir algo potente e tão enervante quanto.


VIOLATION

Canadá | 2021 | 107 minutos

Direção: Madeleine Sims-Fewer & Dusty Mancinelli

Roteiro: Madeleine Sims-Fewer & Dusty Mancinelli

Elenco: Madeleine Sims-Fewer, Anna Maguire, Jesse LaVercombe, Obi Abili


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